20080812

Amor E terno





I


Sopra-me o vento na cara, e sinto nas narinas o aroma salgado da massa de água informe que se me apresenta.Estou na praia como se estivesse só.
Olho o horizonte e tento não me sentir única por causa daquilo que passei ou sofri.
Chamo-me jovem mulher, tenho uma vida inteira pela frente, e uma outra vida inteira sobre a qual não deixo de ruminar para trás .
Sento-me na areia e faço-a escorrer pelos dedos como ampulheta desejando que o tempo não passasse tão depressa. E que tivesse membranas interdigitais na minha mão. Já que passa, que passe um tempo feliz.
Mas não sou pessoa de pensar o que se faz om o tempo que jaz entre o nascimento e a morte. Olho para o meu redor e vejo o que felicita a maioria, concordo e acolho para mim no segredo como aspiração envolvente e destino do porvir.

II

Sinto o tempo a passar, acho que o relógio é a mais patética e fantástica invenção do Homem, que tem a pretensão de andar com o tempo no pulso.
O homem que quero na minha vida pode ser caracterizado pelo relógio que usa no pulso.
Não quero relógios de borracha e plástico.Os homens que os usam são imaturos e instáveis e pé descalços. Não quero homens com relógios que tenham braceletes de pele a não ser que seja de crocodilo, e seja um grande e rectangular relógio de marca acompanhado com roupa a rigor.
Quero os homens com os grandes brilhantes e poderosos cronógrafos feitos em titânio e aço, caros sumptuosos e ostensivos, orgulhosos. Um desses homens sólidos como os balcões de mármore dos bancos, vaidoso de si, faz um figurão na rua comigo na ponta de seu braço.
Estes homens andam de Audi, alargam sem engordar demasiadamente, a estrutura óssea, quando chegam aos quarenta anos. Absortos em criar e defender a família, deixam o idealismo de juventude que se submeteu à defesa do lar. Sou a raínha do Castelo onde ele sempre ganha mais que eu. Esta gama de homens tem no máximo duas ou três amantes ao longo da vida que eu nunca descobrirei, é dos meus filhos que me interesso.
Os planos são feitos em conjunto e à noite quando chega e estaciona a stationwagon na garagem da vivenda, entra em casa e de vez em quando abraço-me a ele porque no meio de tantos homens é a ele que chamo meu.

III

Olho para a sua mão que engrossou desde a nossa festa de casamento, onde ele levou terno e estava tão elegante, demasiado elegante. Juntámos as duas famílias, e realizei a minha fantasia de miúda, olhando de frente para a aliança que lhe estrangulei no dedo, e agora é abafada pela carne gorda dos dedos que incharam;olhando para trás para a pré-corte, corte e namoro, primeiros dois anos de sexo selvagem, e os anos seguintes de planeamento ponderado de vida responsável em conjunto, zangas e reencontros (que bom é fazer as pazes) e não chegámos a passar pela crise dos quatro anos que costuma ser o verdadeiro crivo para todos os casais.
Casaremos antes de quatro anos de namoro não teremos problemas porque não falta o dinheiro em casa e não vivemos do crédito, é uma vida boa, melhor que a dos outros casais que ou são rivais ou amigos. Fazemos tudo para não perder o que se construiu.
Ele não é mulherengo e eu não olho para outros.
Escolhi-o porque é sólido tal como o relógio os sapatos e a massa óssea, de jovem em fim de vida.Escolheu-me porque sou uma boa mulher para andar na ponta do braço dele, apresentar à família e aos amigos, sou atinadinha da cabeça apesar de não ser virgem.
O meu pai adora-o e ele cativa quem quer. Joga à bola ao fim de semana com os meus irmãos, e depois no fim do jogo discutem negócios carros e as outras coisas que os homens falam para se sentirem mais próximos uns dos outros.
Nunca vi ninguém arrumar tão bem as compras na bagageira do carro, nem ser tão terno sem lhe ver ponta de aflição nos olhos quando me afaga.

20080803

Depois de mim



Tens-me sentido sazonalmente dentro de ti, quando me lês em palavras que escrevo a negro, na ponta das quais sempre tive necessidade de encontrar e ter uma mulher. Como raio seminal, ejaculo palavras para que concebam em ti à luz do que é belo, para que saiam os pensamentos que te acompanham quando olhas sozinha o infinito que te faz parar.

Preciso dos teus olhos, preciso que olhes para mim.
Preciso que me recebas no mais recôndito do teu âmago, além do palavreado bonito, sob o qual se esconde um desejo mais sinistro de posse da tua alma.
Preciso que me deixes brincar à solta no mais lugúbre do teu coração, fazendo dentro de ti o amor como uma criança que brinca sozinha com o mundo fechada no seu quarto.

Li na tua pele, meu salgueiro que choras Sal, que nunca nos vamos tocar, ou ver mais, desde a última noite que passámos juntos juntos, eu não quero de outra forma.
O verdadeiro abraço que dura além do tempo é o abraço do absurdo. E quão absurdo é querer navegar à deriva no coração de alguém que não se conhece...no teu.

Condenados que estamos a ser pouco mais que destroços anónimos, ganha valor este ignoto trocar de olhares onde es por pouco tempo um pouco de mim quando me lês e eu provo um pouco do teu morno mosto quando contigo sonho.

Entro como nunca ninguém entrou dentro de ti, com a porta franqueada, salto pelas janela gradeadas, nem sei o que vai na tua cabeça, no escuro não consigo acender a luz, apenas posso adivinhar no negrume as sombras com as quais à noite te deitas murmurando o meu nome:'João.João.João...'

De mão na mão dada, na mão que raramente consigo dar acordo com a luz que foi acesa.
Espero à tua porta no fresco da manhã que ainda não nasceu encostado à parede molhada da tua casa.
Leva-me para mais longe, absorvo por completo o teu mundo, deixo-me encantar com aquilo que não é meu, voando um pouco para mais alto longe e sozinho de todos nós.

Não dei por te ires embora.
Não quero mudar a minha memória. Não consigo estar sem estar contigo a mim encostada, olho a tua cara enquanto dormes, e eu dormir não quero, não quero que passe este tal tempo em que cheiro cada expiração tua, e olho as curvas do teu rosto, fazendo por imaginar o filme da tua vida, adivinhando como será a tua alma através dos maneirismos que vagueiam na tua cara quando dormes.

Não estaremos nunca juntos de olhos dados e mãos abertas, como o negro dos olhos dos amantes.

Estendes as tuas asas negras na grandeza do Sol vermelho no Céu preto por trás de ti.Vens então à minha boca dár-me fôlego, só o suficiente para me ouvires sangrar.
Olho para a distância que de mim a ti se estende, já só caso com uma sombra tua, vai ter comigo onde a onda beija a areia...eu já não vivo. Eu já não vivo.

Não sentes, não te dói, sentires-me dentro de ti?
Entro em ti?...

Durante mim




O entardecer no quarto foi cinzento alaranjado como costumam ser as tardes quentes de Outono.
Suado e exausto, tenho a perna meio jogada de joelho para fora da cama.
Tu estás lançada no lado direito da cama mais próxima da janela aberta por onde olho com cortinados leves voando ao vento na casa deserta.
Pouso a mão primeiro nas tuas costas sobre um dos rins, depois na nádega que momentos antes também dançara ao ritmo dos nossos gemidos.
Dormitas eu não, olho lá longe melancólico o rupestre quadro que entra pela janela, e toda a melancolia do mundo, como sempre vem à existência no meu pensamento.
Olho para a paisagem sem a ver, vejo só o caminho até ti, tudo o que te escrevi, disse, fiz, pensei, nessa via sacra que foi impregnar-me naquilo a que os antigos chamavam de alma.

A tua alma.

Tudo para chegar a ti que naquele leito naquele momento vais dormitar, de barriga para baixo espalhada pela cama, e eu vou gostar de pensar em ti como estando feliz.
Não consigo adormecer.Fico contigo, ao teu lado em vigília.
Sei que entrei na tua vida e faço parte dela. Sei que se me for embora vais ficar destroçada, partida, moída, magoada.
Sei que gostas de mim, daquilo que em mim vês e que nem eu próprio sei o que é.
Acarinhaste-me dentro de ti e lá dentro esse eu meu cresceu. Ficou a fazer parte de ti.
Impregnei-te de mim, engravidaste-te de mim e agora vivemos juntos separados um no outro.
Neste momento em que escrevo e penso em ti com mais força, sei que cada segundo que o faço, te traz cada vez mais para mim.
Olho bem para os teus pormenores.
Aumenta a melancolia ao pensar que aquilo que é meu nunca por mim será totalmente apreendido.
Nunca sentirei todas as variações do calor do teu corpo esmagado contra mim, nunca provarei todas as variantes do gosto da tua língua ao longo de um dia completo.
Por mais vezes que tomemos o corpo um do outro, aquilo que realmente és é-me totalmente inacessível.

Tu és minha.
A melancolia cresce e com ela a impotência em ter-se aquilo que tanto se quer, e assim condenados estamos a não ser mais que invólucros de nós próprios, oferendas para o outro, no mais bonito papel de embrulho que conseguirmos fabricar.
Convencidos de que entregámos o que de mais precioso e secreto somos.
Lembras-te? Nesse dia que está a chegar, está para vir, iremos sair. Lembras-te?
Nesse dia que está para vir, não vou querer ver o Sol deitar-se num sitío que não vejo, sentindo a lenta agonia do dia que se esvai.
Terei de sair de lá, da tua cama, pois com o silêncio da noite vem o desespero do silêncio de um dia passado a fazer amor.
E que tal carga de intensidade quero eu, que não aguento o normal desenrolar de um dia.
Aproveito para te cobrir a pele de beijos, numa liturgia de carinho automatizada.
Na boca no pescoço, nos seios, na pele mais macia no flanco logo acima das tuas ancas, na barriga...
Digo-te ao ouvido, 'Veste-te. Vamos sair.'
Fascinada comigo e com o início de uma nova relação que promete e que como a água do mar, lava o Sal das lágrimas das relações anteriores.
Vês-te no meu carro voando pelo Guincho para a Marginal. Levo-te a uma enseada por poucos conhecida e por pescadores frequentada.
Na noite alta nos atrevemos a descer as escadas e onde paramos sentados num degrau.
Por já só se ver o braço branco de espuma que se mata teimosamente contra as gigantescas praias de pedra, olho para baixo.
Olho para ti abraço-te.
Temos o abismo a nossos pés.

20080722

A Terra Prometida

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Pela correria que nestes Andes de sombra amainado pelas polainas do Sotavento, vou indagando aqui onde o meu coração entra no ocaso e na Aurora, pelo nome da Floresta que não chega a vir.

Sorriso que de têmpora embala, no orgulho automático do esquecimento vou vogando na saudade de Outrora, a delicadeza de um concentrado fingimento.

Pela rua de trenó desguarnecida
Pela paz que copula com o silêncio
Dou por ti tão só e vencida
pela vida
tão só de tão prudente.

Bates no peito como investida,
arrogante como só ele pudera, sou eu que de acordo
como estás vestida
te cheiro a vulva com sabor a Primavera.

A noite suavemente cai, como gotas nebulosas de nevoeiro
eu nas borbulhas do teu rosto me perdendo vou, adormecendo na pele lascada
que torneia as unhas dos teus dedos.
A Luz entra ginasta pelas janelas como presságio do dia que agora finda...
no toucador oráculo ao asseio cosmético,
cama tua local de copulação dormida
e do meu patético.

Teu rosto bonito, mas quanto queria não vê-lo
Após o equinócio passa a razão de eu ali estar, como sopro de cotovia
Vou nestes dias de deserto transitando
entre a angústia e o desespero
sem querer pensar no que faço, só para esquecer quem tanto quero
e tanto perdi um dia.

21 Julho de 2008

20080708

Feios Porcos e Naus



Quero mesmo esquecer-me de mim e de tudo o que existe, seja através de vinhos seja através de outros corpos.
Tudo o que me afaste da ideia a verdade que te foste embora.
Quando partir, o que mais quero é encontrar-te.
Sinto a tua falta, e só agora sei que me sentia completo ao pé de ti.
Fiquei desorientado, no deserto mais árido que aquele em que pensava estar.
Sem rumo, sem nau, nada me carrega a não ser o amor às letras que de novo redescubro, além do apego às sílabas do teu nome.

Viajo pelos corpos e espíritos de outras mulheres, sem critérios que não sejam a imersão no esquecimento.
Ela foi-me proibida e nada mais pensei senão em quebrar a proibição.
Quebrei e dormito no seu leito. Sazonalmente...
Muito bem se mexe ela.
Há ginásticas que nada têm a ver com a alma, e a minha lentamente vai apodrecendo.

V de Vi



Havia avisado de que assim que a visse não lhe falaria, encostaria meus lábios nos dela.
Que grande par de mamas.
Tomaram muitas miúdas de vinte anos terem o corpo como o dela. Agradou-me ter quarenta anos, ser de Cabo Verde e desejar alguém dentro dela, ou quem sabe nas suas órbitas.
Faltam-me três países para correr os PALOP todos.
Havia recambiado a filha não sei para onde.
Casa de desempregada sazonal, saudou-me com velas, uma cama branca coberta de pétalas escarlate de rosas.
Muito calma muito meiga a falar. Calma em tudo.
Calma demais digo eu.

Brisa Frígida



Veste-se com denodo pela moda que regendo vai.
Nas ambas vezes se sabe vestir e arranjar. Assenta-lhe bem qualquer roupa que coloque.
Por outro lado, espreita por entre os anacrónicos olhos, o olhar magoado de cachorrinha assustada. É angolana com uma pele um pouco mais escura que a minha.
As primeiras leis do jogo foram :'1-Penso noutra pessoa e 2-Sou bissexual.'
Beijámo-nos, na esplanada do restaurante com as melhores francesinhas de Lisboa, gerido por uma família de chineses.
Estou-me a cagar para isso, quero lá saber das tuas preferências. Já me bastam os meus desejos e fantasias. Quero é comer-te impregnar-me de ti, cheirar-te, engolir-te e perder-me em ti, tu não contas para nada, és só o meio onde me quero perder para depois me encontrar.
Quero é saber a que sabe o sabor da tua língua.Quero é afogar-me na tua carne como um porco com cio que se rola na estriqueira.
De noite na Expo deixei-me inibir com os cabróes dos pescadores mirones que insistem em passar mais tempo a olhar para dentro dos carros que ordeiramente pastam no pontão de cimento o salubre encosto dos corpos, que a aflição dos peixes presos pela vida na ponta de um anzol.
Noto-lhe pequenos triunviratos de pelos nas auréolas dos mamilos, e logo a minha incontinência judicativa nota o contraste entre a atenção que demonstra na roupa e descura no corpo. Deve doer arrancar pelos dos mamilos.
Detenho-me a notar com agrado a diferença de cor da minha carne branca e do auréolo de chocolate que me acolhe ignoto e molhado.
Olha para mim como se eu a estivesse a foder. Vinte e quatro ou vinte e seis anos, quem gosta de mulheres não se deixa impressionar com homens em cima. Dei por mim no regresso a casa a cheirar o cheiro de sua vulva nos meus dedos espalhado, como sempre, algo estremece no fundo de mim, espreitando-me algo daquilo que apenas aparenta ser.
Dei por mim no seu quarto. No quarto da mulher que eu esperava ser uma bomba, mas deparei-me com o Nemo na cama e golfinhos pululando pelas paredes. Senti-me no jardim da Celeste, quando entrei nela cruzou os braços em protecção, e fico sem saber qual de nós dois está mais próximo do poço da patologia.

20080603

O retrato colorido das minhas mulheres



A vida de Susana Pascoal
(ensaio filosófico em forma de ficção)


Intro

Sou daquele tipo de pessoas que nos acidentes de viação procura sempre ver a carne e as lascas dos ossos no tablier, e o sangue no asfalto.
Gosto de olhar para as pessoas, do baixo da minha timidez, e da minha amargura para com a vida e pensar que dores, ódios, amores, desilusões, abusos, forjaram o corpo e a mente da pessoa que diante mim observo. Sou um vampiro à custa das vidas e emoções das outras pessoas, para depois vir para este blog escrever, para sugar já não a vida e a emoção, mas a possibilidade de atenção.
Sou uma pessoa desprezível não é?
Não sou frequentador assíduo de blogs e de bares (oh, como passo ao lado da vida...) mas não sei se existem blogs em forma de livro, ou livros em forma de blog, no entanto é o que este pretende ser. Com a perda de alguma estrutura e coerência temática, ganha pela espontaneidade decorrente da disponibilidade do autor. Cessará quando sentir que o assunto já não me interessa.

Certa carne é mais tenra que outra.
E cerrei os dentes numa personagem por mim criada a partir de uma personagem real.
A minha personagem tem semelhanças com uma pessoa da vida real.
Chama-se Susana Pascoal, tem trinta e um anos, e é uma rapariga como milhares de outras. Gosta do seu barzito, do seu séquito, disco de vez em quando, um concerto com as bandas da moda, música que não ofenda a sua sensibilidade, autores que se podem encontrar em qualquer livraria. Teve uma infância normal, brincou com bonecas, continua a brincar com bonecos, era fã dos póneis da televisão, foi ao cinema ver «A Branca de Neve e os Sete Anões», via «Os Amigos de Gaspar», hoje vê sitcoms, teve discos de vinil do Avô Cantigas, e usava tranças quando ia para a escola. Teve, tem, terá uma beleza média, o acne da adolescência e do rubor passou-o num grupo de amigas mais feias do que ela, onde por vezes se sentia especial. Há sempre um amor de adolescência e com ela não foi excepção.
É segredo, mas perdeu a virgindade no secundário e quando chegou à Universidade já sabia que não tinha mais nada a aprender acerca do amor. Encontrou alguém, a quem se agarrou, não interessam os motivos, até uma personagem tem direito à privacidade, mas era uma âncora para o mar incerto de andar de braço em braço sem nenhum abraço chamar seu.
É como todas as mulheres um poço de aplicação e abnegação e acaba o curso no tempo regulamentar e safa-se na vida num recanto da função de todos. Começa a planear e a efabular a vida futura...Algo acontece e esse sonho desmorona-se. E muito mais coisas que se revelarão por si. Mas é este acontecimento traumático que nos interessa.
O ponto de passagem da minha personagem, para a pessoa real (aliás a sua justificação enquanto existente - da personagem ou da pessoa?!!) é um acontecimento traumático já por mim observado algumas vezes.
Chamo-lhe muitas coisas, mas gosto de ver este tipo de trauma como um puxar de tapete debaixo dos pés de uma pessoa. Chamo-lhe «a queda».
A queda do virtual para o real. Virtual de sonhos, aspirações, desejos, fantasias, para o real da vida crua e sempre além das expectativas.
No fundo, o lodo em que me movo, é o do absurdo. Partindo de Camus, comento-o, é que se para ele o absurdo é o silêncio do mundo à tentativa de doação de sentido por parte do homem, a queda é o ruir desse sentido. A partir daí nada nasce.
Gosto de esmiuçar estes acontecimentos porque eles representam algo que força o fio da tua vida a um rumo diferente...nada será igual a partir deles...

Fio...nó...
Como qualquer nó, este que a minha Susana tem, é a interrupção de um fio.
Digamos, simplificando, que o fio é a sua vida.
O fio que entra é o mesmo que sai. Mas não é o mesmo fim. Tal como os restos mortais que sobram após um destes acontecimentos, não são a pessoa de outrora.
O fio após o nó não é o mesmo.

Mas antes de falar de mim, enquanto ficção de mim mesmo, falemos da minha Susaninha. É a minha ferramenta de verborreia. Algumas ideias e expressões literárias de minha safra serão transmitidas através dela.
A custódia pela personagem foi um processo longo e penoso, mas terminou num empate, nem ela foi encornada, nem eu tenho de pagar pensão alimentícia, ou direitos de autor.
Optei partir de uma personagem real, pois a personagem real que escolhi é já um símbolo que subsume o tipo de pessoa, temáticas e problemáticas que a personagem virtual pretende reflectir. A Susana é só um pretexto para o texto.
A queda, mostra-nos com clareza cristalina como a alma das pessoas é frágil, e sensível aos acontecimentos, e que não tem de ser tratado a não ser com a ligeireza com que um assunto sério merece.
Sou daquelas pessoas que gosta de ver os acidentes, a carne e as lascas de osso no tablier, o sangue no asfalto. O trauma é também um acidente. Gosto de saber para onde o carro ia, a que velocidade, qual o trajecto percorrido, quais os erros do condutor, se a estrada estava em conduções...chapadas da vida como se diz nas conversas de bar...
Trama, tédio, ilusão, desespero são os ingredientes deste monólogo na primeira pessoa, a Susana o meio pelo qual eles se misturam, não vejo motivos para que estas letras não sejam um best read...

JCNF




Susana Pascoal

31 anos, solteira, entre relações públicas, psicologia, Sociologia, aposto que és formada em Sociologia. Durkheim não engana.

Muito poucas empresas contratam licenciados em Sociologia, portanto aposto que trabalhas num organismo público, o que se comprova pelo afinco com que dizes que és muito ocupada. É típico dos funcionários públicos.

Fisicamente, és bonita, nada de espampanante, mas já comi pior e a pagar :D

Para o meu gosto falta-te um bocadinho de carne, mas também não acho graça a morenas.

O rabo não da para ver, mas pelo diâmetro da cintura, tens um belo exemplar.

Mas tens compostura e brio contigo, o que é manifesto, especialmente na forma de vestir, apreendida em duas versões diferentes, ambas extremamente normais. Sabes que o normal agrada a toda a gente... És a namoradinha perfeita para casar, do senso comum, és convencional e normal de tal forma que és boa para mostrar aos amigos. Sim que isto funciona por hierarquias status quo e cenários.

E tu que leste Durkheim, sabes disso.

És, como toda a mulher convencional, observadora da moda convencional.

Por isso mesmo, és um objecto de desejo. És apresentável e é o que toda a gente espera que seja o mínimo denominador comum de uma namorada bonita e de acordo com estatuto médio. É também nesse meio que procuras as tuas relações, que isto de andar com pés rapados não só vai contra o teu desejo de mulher de 31 anos de constituir família, como achas que mereces um homem no mínimo com o mesmo estatuto que tu.

Como és bastante solicitada, já deves até ter casado ou vivido junta, com alguém.

O motivo da separação, é que não vejo sequer descortinado parcialmente. Trocou-te por outra? Mais bonita, de melhor estatuto, não creio. Talvez se tenha fartado de ti, o que te deve ter custado atrozmente.

E provavelmente ele foi o namoradinho que esteve contigo durante a formação, desde o secundário talvez, onde achaste ter uma sorte imensa em o ter para ti, e após alguns anos começaste a acarinhar a ideia de constituir futuro com ele. Talvez.

Talvez tenha sido por não suportar a forma como és dada. És impulsiva. E essa impulsividade de certeza que já te trouxe dissabores. Reparei na forma como agarras o copo, numa das tuas fotos. A genica, a falta de delicadeza demonstram uma vontade só domada por um instinto ainda mais forte. A tua racionalidade é marioneta do teu desejo e depois dás com a cabeça na parede. Talvez ele não tenha suportado isso, talvez não tenha tido mais vontade de continuar a ter paciência...talvez se incomodasse com outros.

É bom o corpo quente de um varão encostado ao teu, promessa latejante de prazer, força que espreita por debaixo de cada músculo, de cada nervo e esgar arfante, tu ondulando no prazer que cavalga a força que te pode desfazer como se a dominasses, és tu a brincar com o fogo, e dominas a teus olhos, pois todos te tratam como uma princesa...com a sudação e o arfar a meio de uma noite quente, que o teu corpo exige, demanda entregar-se. Por vezes consegues controlar, outras não, e ele talvez se tenha fartado disso e não se quis sujeitar. Talvez, talvez. És uma contradição, na forma como agarras o copo, és sincera e cruamente natural. Mas és tudo menos sincera. És uma jogadora. Jogas com os homens, brincas porque também é fácil brincar com eles, e nisso assististe a uma metamorfose desde os teus tempos de secundário, onde de borboleta, passas a viúva negra, porque na tua teia só moram agora os restos mortais das memórias passadas de corações destroçados e sonhos destronados de antigos amantes e aspirantes a tal.

Como as coisas não resultaram, foi como se te tirassem o tapete debaixo dos pés.

Foste-te abaixo, custou. Muito.

«You say
One love, one life
When it's one need
In the night
One love
We get to share it
It leaves you, darling
If you don't care for it»

Moraram uns anos juntos, mas com a separação tiveste que refazer a tua vida, talvez numa casa nova, ou talvez na casa dos pais. Aposto que foi para uma casa nova, hoje em dia a segurança do trabalho estatal permite isso e tens a mania e o orgulho de que és independente. Na tua casa nova incomoda-te a falta do que sonhaste, e por vezes quando o corpo e o sangue apertam, levas um amigo para partilhar o leito e o sexo. Mas não podes, nem queres, nem consegues ver-te numa relação.

A tua vida está confusa, tu estás confusa, estás no meio do deserto sem ponto de referência. Repito, acho que és uma pessoa muito carente, e estás muito desorientada, não podes nem queres envolver-te com ninguém.

Julgas que tratas os homens e os seus desejos por tu, és uma jogadora, uma sedutora, no fundo não passas de uma menina com uma varinha de condão que descobriste e manuseias com exactidão, plenamente convicta em surdina de que o teu horizonte temporal de fascínio, já teve o seu jubileu, e na medida em que a areia se afunda no funil da ampulheta, também o que tens a teu favor, se torna numa corrida contra o tempo para voltar a sonhar e a concretizar o sonho antigo.

O doce sabor da boca que te beija, da língua que te arrepia, dos dentes no lóbulo da orelha que te faz tremer o corpo, os lábios que estrangulas com os teus, os gemidos que soltas quando meneias a cabeça ao som da brisa que promete o prazer quase a chegar, o desejo tão forte que parece que a carne é o empecilho de dois corpos que querem deixar de o ser, a fonte que te escorre entre as pernas, quentes as tuas coxas, inebriante o teu sumo, sentires dentro de ti o outro e o espasmo em que a Natureza fala a sua língua e encarquilhas como as folhas secas do Outono, após te tremerem as pernas...amor, quando fores velha, apenas levas as rememorações...

Mas não consegues. E pensas que já passaste por muito e que a vida foi dura para ti, e isso dá-te uma falsa superioridade moral, porque a tua vida não passa dos mesmos lugares comuns, de projectos não teus projectados em pessoas iguais a ti, e que formam uma espécie de fraternidade de desconhecidos íntimos, e não apenas nos bares e discotecas que frequentas, na Ericeira e não só, e dá-te uma sensação de exclusividade e bom gosto, não é? Para ti, bom gosto é apreciar um bom vinho, não porque lhe sintas o sabor e ele te transporte, mas porque ao sorver o líquido estás a fazer o que é apanágio do estatuto, aliás quase tudo o que aprecias é uma escada para um degrau mais acima, especialmente algumas canções de que citas os poemas sem os teres ouvido na pele e ruminado em silêncio.

Mas os homens não têm, desde então, passado de uma procissão de desilusões, porque não os respeitas...Uma voz de mel, um sorriso na altura certa, um beijo que eles dão pensando que te conquistam a pulso, quando és tu que te armas em sereia e eles não têm cera nos ouvidos (desta vez é à Odisseia que tens de recorrer), e voltam a casa com o coração cheio, mas tu só paras quando os levas à loucura, quando satisfazes a voracidade que te arde no baixo-ventre, olhas para o lado e cospes para a vida vitupérios por não te fazer apaixonar por ninguém, e por os homens serem todos iguais, tão fáceis, e o demónio mora no teu sangue e dele não sai por isso o desespero aumenta porque sabes que não adianta fugir.

És a pessoa que eu não conheço mais manipuladora e calculista. E és transparente para mim.

A forma como agarras o copo é um meio caminho entre a «classe» que achas que deves ter, e o bastião a que te agarras para te sentires integrada num falso grupo de pseudo hedoneidade. ( não confundir com idoneidade)

A forma como te ris para a foto, é uma forma não sincera mas ainda de manutenção de personagem.

É o mundo que conheces e o que está fora dele, deixa-te pouco à vontade.

Sabes portanto, jogar com os homens, e já pouco te surpreendem. Susana, és água morna.

Gostas de música de chill out, Gotham Project, e semelhantes, vibras com tudo o que esteja na moda, ou que esteja na moda por não estar na moda como Bob Marley...tu que nunca fumaste um charro, ou pensaste na denúncia social, ou como será viver em Kingston.

Gostas de música, de música de surfistas, e de surfistas. Mas não por fazeres surf, ou meteres o corpo regularmente dentro do mar. Parcialmente porque é in.

Na foto 2, o teu sorriso é de complacência para quem faz um disparate disparatado, ao teu lado. São estas «maluqueiras» parolas que te agradam, e trazem boas novas do inesperado da vida. Do seu colorido. És complacente com esse lado da vida, porque a tua já te dá uma superioridade moral, tu a menina que já sofreu tanto, que se julga acima das parvoíces bem aceites dos outros.

Não te apaixonas ou deixas apaixonar, porque já não acreditas. Não porque tenham sido uma desilusão, mas porque pensas que já dominas o jogo por completo.

Contigo ele é jogado indiferentemente para os sentimentos rápidos dos homens que te querem.

A casa recente onde moras, numa qualquer urbanização cobiçada ou com qualidade visível por fora e vizinhos atentos e preconceituosos como tu, deve ser demasiado grande para o teu sonho ou projecto de vida futura e deves precisar de algo que te preencha o espírito, como Yoga, sessões de massagens, body pumps ou qualquer outra actividade que te preencha a espiritualidade, esteja na moda, e acima de tudo te relaxe.

«Love is a temple
Love, a higher law
Love is a temple
Love, the higher law
You ask me to enter
And then you make me crawl
And I can't be holding on
To what you got
When all you got is hurt»

Términus

Vou terminar.

Aposto que deves estar indignada (vais dizer indiferente) comigo. Pensas que não gosto de ti. Se pensas isso após ter escrito 6 páginas ter passado o hi5 a pente fino, és mais burra do que o que pareces, meu cotão de ternura. :D

É caso para perguntar « Did I disappoint you
Or leave a bad taste in your mouth?»

Eu só respondo com uma das minhas partes preferidas da canção « Well, it's too late
Tonight
To drag your past out
Into the light
We're one
But we're not the same
We get to carry each other
Carry each other
One»

E carrego-te deveras dentro de mim, para sempre, a não ser que me dê um AVC e eu me esqueça de mim também. Porque ao escrever-te não foi pena que senti, mas uma enorme ligação contigo, uma pessoa que não conheço, para afirmar sequer um terço do que afirmei. Mas o que afirmei, vem dos olhos de pensar em ti e de ti, como já te disse, e não mudo uma vírgula.

Foi muito bom, muito bom ter falado contigo, tão bom que tenho o coração com ternura sempre que penso em ti, apesar de seres uma parola e utilizares os «esquemas» mais que batidos que todas as mulheres usam para efectuarem os seus jogos. É evidente, mas nada censurável. As pessoas são feitas de hábitos. Esta carta, é como eu, e tu. Só tem princípio e fim, não tem meio. Eu interpelei-te, eu termino a interacção.

A tua vida só tem começos, fins e poucos ou nenhuns desenvolvimentos. Com os homens, começas e acabas, não desenvolves. Com a tua carência, só a sentes e satisfazes, só a vês nascer, e trabalhas na sua morte, não a pensas e ruminas, como se fosse coisa de ruminar ou pensar.

Irónico, para uma pessoa tão mediana, não?

E agora a afirmação mais pretensiosa que já ouviste...

Eu, que não te conheço, fui a pessoa, não familiar, que mais gostou de ti. E não perguntes porquê porque não ias entender.

Só tenho um pedido, amor. Do mais fundo de mim, Susana, sê feliz. Tu sabes que não é difícil.

Até sempre meu amor ignoto :D fica a saber que no desconhecido há algo que sente por ti.

Carrega esse pensamento, tal como te carregarei na memória. Imaginando o teu cheiro e o teu gemido. Até sempre meu amor.

«One life
But we're not the same
We get to carry each other
Carry each other
One ... one»

JCNF





One
Intro

Olá amor.

Nunca pensei que estar fora do país, ou que os átrios de hotel servissem para alguma coisa.

Neste caso serviram. Para ajudar a difundir pornografia pelas caixas de email de amigos e amigas. E para escrever isto que agora lês.





E como quartos de hotel com televisões aleatoriamente plantadas são sempre altares de solidão, como as cidades nem sempre têm um clima acolhedor, como nem sempre a liturgia do bar e da discoteca são as minhas preces que estou no apetite de cumprir, prefiro uma garrafa de velho líquido de malte, um sofá confortável, e não me ajoelho, mas junto os joelhos como se fosse tímido, para portar o portátil.

Ora, isso justifica a atenção exagerada à tua pessoa, até antecipada, que pode ser confundida com engate farsola, ou estupidez grave, o que grave seria, se eu me preocupasse minimamente com isso. Poderias até perguntar, porque é que embiquei contigo, porquê tu. Não sei, ou melhor, desconfio. Partilhas aparentemente de gostos meus, apesar de seres tão, tão convencional. Já exclamas, «-Que arrogante!», pensa que é diferente dos outros. Não penso, sou. É bom, e é mau. Mas como já estou habituado, e como gosto perdidamente de ser assim, detesto tudo o que é cliché, e por aí vem o espanto do confronto entre ti e mim, mim, que me acho diferente, tu que acho semelhante a tudo o resto. Ao dizer isto não estou a dizer que és mais uma, que és igual a todas as outras, que não vales nada, que eu é que sou bom, nada disso.

Digo só que no pouco que apreendi do teu modo de operar, pensar, és clara e transparente, e não diferes no comportamento de tantas outras pessoas a quem dou atenção da mesma forma. Sou curioso, especialmente pelas pessoas, e gosto de as testar e brincar não maliciosamente com elas. Foi isso que fiz contigo e provavelmente o que fizeste comigo. Tiro prazer disso, não é um problema em nenhum senti para mim.

Não estás a ler uma justificação. Estou a falar para mim através de ti dos teus olhos. Estás a ler um diálogo de mim para mim, a analisar o meu comportamento que analisa o teu. Não és aqui nem perdida nem achada, e só recebes estas letras, para pensares duas vezes antes de chamar a polícia, e para mostrares às tuas amigas que tens um perseguidor, um admirador, um pervertido ( o que quer que lhe queiras chamar) atrás de ti.

Vai mais longe e diz aos teus amigos que te faço propostas indecentes e persigo compulsivamente e devasso privacidade, diz que te faço ameaças à vida. Vai ser bom para ti, que penso seres tão carente de atenção, toda a gente a sentir por ti, «-Coitadinha...» podem até fazer uma reunião lá em casa e planearem uma acção de espancamento.

«And I can't be holding on
To what you got
When all you got is hurt»
Como vês dou-te algo, para poderes sorver mais um pouco de atenção, meu amor.
E não quero nada de ti. Repito, não quero nada, nada de ti. Até que esta seja a última vez que «falamos», pois que mais há a dizer?

O interesse que tinha em ti, diluiu-se já fiz o perfil de ti que precisava para entender o contraste entre nós.

O único fio de carne que nos prende, é tu poderes confirmar se o que eu digo se confirma ou não, mas nem isso é importante porque eu tenho tal confiança nos meus poderes de observação e análise, e a experiência raramente me mostra errado, que mesmo que contraries o que direi, não aceitarei facilmente a correcção.

Disse «- Até que esta seja a última vez que «falamos» » porque não é final, porque de mim nunca ficarás sem resposta, mas se nada me disseres também não tenho mais nada a dizer. E não direi.

«We're one
But we're not the same»

E sabes o que é mais engraçado? É que acho que raramente brincaram contigo, e desta vez comeram-te as papas na careca por duas vezes.

Uma, parolamente, foi quando utilizo uma táctica de triangulação usada nos radares, neste caso bastou analisar o perfil dos teus amigos e amigas filtrar as susanas, observar estatisticamente a probabilidade de ocorreres em perfis diferentes e eis que tenho 90% de certeza de que a pessoa que penso que és nas fotos é aquela que és realmente. O teu perfil é psicológico, mas baseia-se no que dizes, como dizes e na tua postura no momento das fotos além do olhar os teus olhos, e cabelo na tua cara feia. :D

É o que faz «teres a mania» de seres esperta, perfil sem foto para ninguém te topar, e depois quando te falo em foto, respondes «-Brevemente.», como se fosses tu que mandasses no jogo, ou como se estivesses a falar com alguém amorfo, que ficaria em suspenso da tua boa vontade. Se algo interessa, vai-se atrás.

Mas deves ter muitos «admiradores» a fazer isso, não?! :D

Outra foi, que sem dares por isso, eu roubei-te um beijo. Se o beijo é uma troca íntima entre duas pessoas, à superfície da pele trocando a respiração que nos vem de dentro, onde ambas se confundem porque se misturam, onde as línguas tentam sempre ir mais fundo no ser do outro que se beija, fora de lirismos, foste beijada contra a tua vontade.

Através da maior superficialidade, alguém, que nunca te viu tentou apreender o que de mais profundo de ti poderia ser apreendido neste meio de comunicação, entregou-se às imagens de ti que pensou encontrar, misturou a sua interpretação com aquilo que realmente és, e o resultado é algo que reconhecerás como vagamente teu, como é o sabor da pessoa que beijamos, na palma da nossa língua quando apartamos o beijo.

Fora de lirismos.

Unidos estamos na minha interpretação, algo de mim com algo de ti.

Estiquei os braços para ver se te apanhava, mesmo que sejas horrível, eu sou o princípio activo, és apenas a boca a quem roubei o beijo.

E mereces, porque não sei porquê, nunca escrevi tanto para ninguém como para ti, estranho, mas a vida é uma surpresa.

Vais negar, com a mesma convicção que eu nego a tua negação da minha interpretação ( acho que o Teco teve agora um colapso), mas o que é certo é que eu provei-te.

Sem nunca te ter visto, sem ter ter tocado, cheirado, observado ao vivo.

E a minha Susana, não é uma ficção. O resto que possas dizer é irrelevante.

Como se diz na minha terra, toma e embrulha.

JCNF








Aguardo, Sangro



Menina de maninhos dedos
Torvelinhos de amor
Na boca incrustados
Exalo o ar rarefeito

Dos seus medos
Ecos de ancestral dor
Sonhos em terra prostrados
Aninhados no seu peito.

Apesar dos cardos e rochas
Que no meu caminho se agitam
Os meus beijos foram as tochas
Das únicas sombras de amor que se avistam.
(e em lume brando não se alistam)

Procuras aqui, reflexos de um espelho
Sobre ti tal é o medo da opinião alheia
Sombra sombra do receio tão velho
Nascido de uma visão do mundo tão tão feia

Rubicão, zénite equinócio segredos
Em íngreme subida pela pele suada
Ofegantes suór, cabelos suspiros e degredos
De voracidade não não não mitigada.


Montanha triângulo perto do vértice
Mais alto a seguir se segue baptismo
O caos a desrazão cesso o juízo no vórtice
Do meu desassossego, mergulho por fim no abismo.

Linguagem além desta mensagem
Em palavras ocas traduzidas
Traduzindo a fugaz miragem





Em fotos de uma longínqua menina...à luz trazidas.
(estás satisfeita? De ti falei pela memória...)

O gongo soou
E nada agora termina
Quem sabe que amou,
Está sempre no dobrar da esquina.


_ _ _



O azedo mora no teu vómito
Quem sabe se ainda estás em jogo
Sim? Não?...
Se sim fico atónito
Porque após a força da tua negação...
transforma o gelo em fogo.

Desgasta-se o amante
Em jogos de rins
Mas te enganas se julgas
A mins
Com os mesmos medos que tu
Sou capaz de me entregar
Colocar completamente a nu
A dolorosa não me mete medo
E eu sempre te disse que tenho vísceras vivas
E só o medo menoriza
Tens com o teu vivido
Eu com o meu morrido,
Não tenho medo,
Só teme quem tem algo a perder
Eu nada tenho a não ser a memória da tua pessoa
Que só desaparece quando eu desaparecer
Nem me vou destroçar
Porque ninguém nunca por ti teve tanto bem querer
Tanto beijo terno por dar.

Só o medo mata.
Faz anos que não tenho medo.
(enquanto formos bonecos animados um para o outro jamais seremos Homem e Mulher)
-são mais que quatro os olhos que aqui vão jazer -

JCNF





(Dedicado a Sónia, o pavão sem penas)

Stalker, Bram Stalker

«É talvez o grande fracasso humano: a desproporção entre o valor e a dimensão. Não há nada que tenha o tamanho que mereça. (...) Acontece, registo, acontece, registo. Mas é tudo mentira (...) Maior tragédia do que esta não existe.» MEC, Cemitério de Raparigas, p. 307

Rapsódia Solipcista
Doce Sónia
A melhor parte de roubar a vida a alguém
É o olhar, não quando ameaças, não quando magoas,
Nem quando vê a faca, é o olhar quando sente a faca em si
Rasgando a carne, prenunciando a morte que a caminho vem
Assim os vampiros, recolectores em emoções viciados, assim as pessoas
A entrega com reservas de alguém os juízos precipitados de ti
Ambos o frio da lâmina sentimos, ambos sabemos que é a morte
E não é preciso ter os colhões cheios para falar de amor
O teu templo é uma miragem longínqua do vento secreto, voltas que dá a sorte.




E preciso e sorvo todo o amor a que consigo aceder
Não te assustes de sentir tanto.




365 vezes, um ano e tal
Pouco mais que olhares
Uma mão de palavras vazia
Não evitam afinal
Preconceitos e juízos, e pensares
Que me tivesses conhecido algum dia.




Às vezes, o mundo é duro e cruel
Só estamos cá para perder
Abençoa-me antes de te despedires
Despojada dos preconceitos que vestires.
Nua.




Estás condenada
Roguei-te uma praga
Estamos os dois na cama agarrados
Deitados num fardo de feno
Entrelaçado como meus braços nos teus
Festejando-te num leve aceno

Os meus votos de silêncio são meus lábios molhados
Que tua língua alaga.




Cessa a tua boca cheia de guerra
Danço comigo mesmo
Dá-me o teu som
Dá-me o teu cheiro
Sorvo-te e como é bom
Ver-te vires-te comigo em tuas pernas prisioneiro
Vem-te primeiro.




Não, não sou bruto ou agressivo
E que o fosse, ou castrador
Quem sabe se frontal
Foi por amor foi por amor
Foi por amor meu amor
Eu porque à dor tanto me esquivo
Queimo-me não por ser vela
Mas por ser castiçal.




Castiçal que se afoga em cera
Desesperado e suplicante
Pelo respirar de uma boca que quisera
Viver beijando-me num amor não degradante.




Se continuas com vitupérios
Acerca de mim formulados
As tuas palavras serão adultérios
Do silêncio dos nossos beijos não dados.




Persigo sim senhora o objecto
Do meu desejo tornado
Ternamente delineado o projecto
Bastante directo, sim
Ardo por saber se o que de mim para mim
Digo, tem no objecto, o efeito planeado.




Porquê?
Porque sou descompensado.
Talvez louco.
Vivo o amor a três.
Eu, o outro, e eu outra vez.
Amando nunca se está acompanhado
A outra é muito pouco...
Não se vê?




Não consigo dormir
Sonhando com o amor que vou fazendo
Dentro da minha cabeça.




E muitas susanas pululam por aí
Um cemitério de raparigas
Na minha recordação
Objectos artefactos
Desta forma de masturbação
Amo-me através de outras
Degraus de mim para mim
Cachorro que persegue a própria cauda
Dervixe de mim mesmo encarnado
É por mim, por mim, amor, que estou apaixonado...


Que a tua potência judicativa não aplauda.




Escapo da franja
Fria e sem dó
Não me quebrarás
Nas trevas, mas ainda vejo
Cala-me droga-me
Fode-me como uma puta
Venho-me lentamente
Quando me podes acompanhar
Faz-me chorar para lavar a mágoa
E para poder afundar.




No meio do inquietante negro gentil da noite, por mim me apaixonei
Na forma de uma qualquer susana


Efabulação de diamante chicote memória em açoite, não procurando
Um sim mas uma fantasia soberana.




Às vezes sinto-me (como ela) destroçado
Sozinho e no fim embalado
Dá-me vontade de regurgitar
Fico tão sozinho desboto até já nada restar
Independentemente dos corpos que tenho à disposição
Olho para o espelho e vejo algo translúcido que já não é o João.




Com esse par de lábios
Com esse pôr de lábios
Que são teus
Conduziste-me até ti
Seduziste-me até mim
Fui então fundado
Esfomeada precisavas de mim integral
Agora sobram os restos mortais
E a areia nos meus braços
Ainda me sinto esventrado
A espada lancina ainda na minha alma
Teus caninos no meu pescoço
Ou a cicatriz do julgamento sumário
Feito como amor escondido num armário
Por sobre máscara anual de um(a) falsário
Transformada no teu sudário...
Abandonaste-me dissecado, sorvido, esventrado
Não mergulhes de cabeça nos meus olhos
Faz muito tempo que água não tem
Apenas escolhos
Rememorações cicatrizes escombros
E sorrisos dos nossos confrontos...




A quem quer amar:
O amor é uma maleita,
Que o corpo não aceita
Que a alma não rejeita
O Amor
Não paga contas não dá indicações
Regula a tua vida pelo seu bater sincopado
Do teu coração por ele destroçado
Não aceita reservas nem dá justificações
Fica uma vida inteira de ti se alimentando
Acelera o fim, queimando os momentos que ao teu lado vão passando.




Eu :


Queria ter um momento
De alegria felicidade
Por cada abismo onde me lancei
Ao pensar que o amor era um alento
Da sinceridade igualdade reciprocidade
Cheguei até hoje sabendo que me enganei.
Olho agora para os desertos
De areias caveiras e arrais
As memórias são esqueletos despertos
Que não deixam esquecer os amores em que me dei demais.



JCNF

Front 242 - Headhunter
Today he has no means
He's a lone man anonymous
But written in his cells
He's got the marks of a genius
I'm looking for this man
To sell him to other men
To sell him to other men
To make us rich and famous

One you lock the target,
Two you bait the line,
Three you slowly spread the net
And four you catch the man!

I'm looking for this man
To sell him to other men
To sell him to other men
At ten times his price at least
I'm looking for a man
Who knows the rules of the game
Who's able to forget them
To realize my aim

One you lock the target
Two you bait the line
Three you slowly spread the net
And four you catch the man




Caçador…

Agarro-me a ti de garras afiadas de forma mais brusca que ao copo, quero-te rasgar a pele, feri-la, morde-la, deixar dela jorrar o sangue, impuro, pestilento do teu corpo…

Carregas uma arma, um punhal, e procuras atingir meu coração desenfreadamente. Falhaste o alvo e atiras ao lado. A tua sobrevivência dependerá da minha morte ou pelo contrário morres quando eu morrer?

Sinto-me exausta, estou cansada de lutar contra os teus moinhos de vento, estou farta de lutar contra ti, de me justificar, de tentar erguer o meu nome que estendeste na lama. Também não tenho de o fazer. Insulta-me, enxovalha, odeia-me… o que é isso perante a graciosidade, a grandeza do meu verdadeiro ser.

Mato-me aqui para ti, de forma rápida, tal como apareci deixo de existir.

Adeus

Morri.

Susana

Cadáver Ressuscitado




«Giunse alfin il momento

Che godrò senz’affanno

In braccio all’idol mio.

Timide cure,

Uscite dal mio petto,

A turbar non venite il mio diletto!

Oh come par che all’amoroso foco

L’amenità del loco

La terra e il ciel risponda,

Come la notte i furti miei seconda!»

Mozart, As Bodas de Fígaro

(Suzaninha)



«Se as mulheres conseguissem gostar do que gostariam de gostar seríamos todas felizes.

As pessoas ficariam na miséria, mas as almas andariam nas palminhas.»

MEC, A vida inteira, p. 51

Letras não são tretas caro leitor.

Basta olhar para as mulheres belas, atraentes, que diante de si caminham.

«-Mortas?!» - exclama o positivista uranista de determinada ideia de o que seja a razão.

«-Mortas.» - exclamo eu, o pessimista das ciências humanas, como se existissem outras.

Há dois tipos de morte, caro leitor.

«Há quem viva sem dar por nada, há quem morra sem tal saber», já dizia o poeta.

A morte física nem é a morte mais importante. È apenas uma morte por deficiência do material. Não uma morte onde o material se torna supérfluo.

Eu explico.

Quando morremos, é porque não conseguimos continuar a viver.

Ou os orgãos falham, a combustão do oxigénio faz das suas, a replicação celular, dá de si, ou seja, envelhecemos.

Ou...

Ou, morremos estando no pleno da força da nossa juventude. Há a morte não do corpo, mas da energia que o anima, eu chamo a essa energia fé e esperança, a um mesmo nome, amor.

Não apenas um sentimento de um futuro em aberto, mas uma crença profunda no valor de existir, de que vale a pena.

Imagine o querido leitor e a devota leitora, no que se transforma a vida quando nela não se acredita, a ponto de a morte se tornar igual à vida...

Pois bem, acertou... a vida transforma-se em morte.

Por dedução lógica, aquele ser vidente que passa pela vida como um adiamento do fim desta, é o mesmo que aquele que está morto.

O contrário de estar vivo não é estar morto. É não estar vivo. Estar morto, é contraditório, e não contrário a estar morto. Paradoxal, porque se contraditório, nega a evidência de se estar vivo.

Estar morto não é uma condição, e até que alguém me diga que estar morto é estar como não existente, mantenho as minhas reticências.

Este palrear todo, para introduzir o leitor nesta minha posição de que há gente viva que está morta.

Conheço muita gente assim.

A minha doce Susaninha foi a última que conheci.

Interessa-me sumamente como personagem literária, texto para pretexto, mas é tão convencional que pode servir de etiqueta, subsumindo todos os cadáveres que infestam por aí o ar.

A importância de falar em morte e amor nos mesmos contextos e parágrafos, é uma evidência que o próprio leitor e leitora podem comprovar, no conforto da própria pele.

Nenhum ser humano, a não ser que já falecido, concebe a finalidade desta vida, ou seja a felicidade, sem a relação amorosa.

Curioso, não acha caro leitor, como se associa a finalidade a felicidade.

Fim, e feliz, são irmãos de mãos dadas, e com isto não falo em suicídio.

Embora amar seja uma forma de suicídio.

A não ser que tenhas a capacidade de por ti mesmo (a), ressuscitar.

Como? Não deixando que a morte te mate. O que é a morte?

Deixar de acreditar na vida.

Deixar de acreditar na vida é deixar de acreditar no amor.

Muito aéreo? Muito teórico? Muito abstracto cara Susaninha?

Nada como juntar uma pitada de diluente.

E eis que transcrevo a minha experiência com o cadáver Susana.

No cadáver, não há muito a conhecer a não ser a causa da morte.

Interessa-me saber como morreram.

Não vagueando, aqui deixo o meu encontro com a Susaninha.

O meu engodo, era saber qual o seu trauma.

O dela era o despeito, por mim, por ter feito pouco das suas capacidades de sedução.

De ter mancebos a suplicar pela sua atenção, a bajular, por dá cá aquela palha, enfim, toda a devoção que os sedutores gostam, a saber saberem-se ser a religião de alguém.

Ora sendo eu agnóstico, não sou facilmente seduzido, a não ser com a promessa de descobrir uma peça defeituosa num motor que funciona mal.

Já sei qual é a avaria, mas quero confirmar.

Ela anuiu no encontro, não por interesse na minha pessoa, pas pelo despeito que já confidenciei.

Ela sabe-se vestir. Nada de mais, mas assenta bem. Nada de roupa de casamento para o Bairro Alto, mas a roupa denota um espírito que se ocupou de como ficaria sob aquelas vestes.

-Olá! – joguei-lhe com um grande sorriso.

-«Olá»- retorquiu ela com fingida reserva, e com expectativa para com o tipo de pessoa que eu seria.

-Então tu é que és a Susana traumatizada... – e ri-me da minha própria piada-quebra-gelo-encavaca-a-miúda.

-«Eu não sou traumatizada!» - responde.

Previsível. Nunca uma mulher responde de acordo com a vossa perspectiva, caros leitores.

Não negais, devotas leitoras.

Isso seria dar algum tipo de razão, seria admitir que parte de vossa ideia acerca delas estaria acertada, o que a circunscreveria a algo a que elas não gostariam de estar limitadas.

A mulher não gosta de limites.

Até ao pavilhão chinês, a conversa foi como ela, convencional.

Onde trabalhas, o que fazes, não é normal falar com pessoas que conheço na net, não gostei que tenhas dito x e y, e como conheces o Nuno, etc.

E lá fomos respondendo, impacientes pelo passar dos preliminares.

Eu esperava ansiosamente até poder começar a dedilhar as cordas dela, a ver se cuspia a música que eu esperava.

Ela, a ver se eu manifestava o comportamento análogo ao que ela estava habituada, dos varões que a querem facturar, mesmo que o neguem.

Finalmente, sentados um em frente ao outro, disparei :

- Susana Pascoal, és uma traumatizada de guerra, um cadáver - e comecei a rir-me quando me lembrei que pessoas convencionais podem levar a peito esta afirmação.

-«Porque é que dizes isso?»- mostrando surpresa pelo aparente disparate que eu acabava de dizer.

-Porque acho que és uma pessoa amarga.

-«Não sou João. Eu saio à noite, e tenho muitos amigos, tenho uma vida feliz, divirto-me.»

-Mas eu sinto que há um desencanto.

-«Não há desencanto. Pura e simplesmente há encontros e desencontros. Ainda não encontrei a pessoa certa é só isso.»

-A pessoa certa para quê?

-«Para passar a vida.»

-Há uma pessoa para isso?

-«Acho que sim, espero que sim.»

-E as outras?

-«Não sou de curtes, ou one night stands...»

Se eu tivesse gravado as conversas de outros cadáveres, teria colocado o gravador, na redonda mesa do Pavilhão Chinês, ao lado do bule do chá e teria escutado sozinho as mesmas respostas, as mesmas palavras.

Havia-me esquecido da minha intenção de seduzir o cadáver em casa, ( do mesmo modo que gosto de seduzir fufas porque sei que são casos perdidos), e resolvi insistir.

-Susana, eu acho que houve um acontecimento na tua vida, que condicionou todo o comportamento daí em diante. Foi uma ruptura, algo de muito importante para ti. E a tua atitude desde então, com os homens, com a vida, está sob essa sombra.

Já sabia que ia negar. Surpreendentemente, negou.

Fingiu o que todos fingem, um à vontade com a vida, que faz aceitar as suas vicissitudes.

Franziu o pescoço, meneou a cabeça, e disse que apenas, apenas, tinha tido um desencontro.

Caro leitor...

Eu fui para confirmar um óbito, não para encontrar uma pessoa desaparecida.

Insisti:

-Tinham feito planos futuros. Acordavas de manhã com ele na cama e ficavas a olhar para ele e a pensar se o que o teu coração te dizia era que ele ia ser o pai dos teus filhos.

Ficavas abraçada a ele a sentir o seu oscilar com a respiração do sono, revias a tua vida até ali, até ao momento fundamental da passagem de genes à geração seguinte.

Quando terminou foi como se te tivessem tirado o tapete debaixo dos pés, todo o trabalho de auto hipnose que é o amor, te trouxe , para o mais fundo dos abismos.

Tudo o que teu coração havia construído, ruíra.

Não interessa de quem foi a culpa, dele ou tua, condiciona na mesma a tua resposta aos que a seguir se seguem. Deixaste de acreditar, mana.

-«Não.»

-Eu sabia que ias dizer isso.

-«E então?!»

- O amor, Susana, é um estado de espírito que construímos para nós.

Mas somos espirituais, há muitas variáveis. Não há o amor em si. Só uma interpretação auto induzida.»

-«João, isso é literatura.»

-E aquilo que julgas que a vida é, ou que julgas que tu és, é o quê? É uma verdade matemática, queres ver...

Um homem é capaz de tirar o tempo para te escrever ou imitar um poema, para te saltar para cima em tons de chique...mas quantos estão dispostos para mexer na merda e no lodo das tuas memórias irremediáveis?

-«Não é outro método para me foderes?»

-Acusas-me de psicologia invertida. Uma foda contigo não passaria de uma punheta indirecta. Pouco mais me interessarias, que a interpretação de ti.

-«João, letras são tretas.»

-Tens razão. Deixa-me descer para entenderes.

-«Obrigado.»

-Beija-me.

-«Não.»

-Está bem.

Eu já sabia que não havia conversa possível entre nós.

Talvez o caro leitor fosse mais hábil.

Mas eu detesto lugares comuns, e o consenso é um lugar comum, especialmente quando leva para a cama.

Peguei no meu casaco e fui-me embora.

Sentei-me no jardim, a olhar para baixo, para a mais linda Lisboa.

Seguiu-me.

Não lhe disse nada, levantei-me, agarrei-a, apertei-a contra mim, agarrei-lhe os cabelos pretos, ou alourados, ou o que raio é aquilo, e minei a boca dela com a minha língua.

Apertei-lhe o rabo contra o meu falo hirto, como se a fosse desfazer ao meio e fornicar por cima das calças. Rasguei-lhe a blusa até os seios surpresos estarem iluminados pela luz da Lua. Senti os duros mamilos quererem medir forças com os meus dentes, e quando lhe tirei a mão das pernas vinha molhada, meti-a na minha boca e suguei.

Fizemos amor logo ali, com o Tejo como testemunha e com um drogado como padrinho. Quando terminei, estava ofegante, e desiludido por não ter também desfeito completamente o banco do jardim. Sabe sempre a pouco, ter de dosear a força para não matar o cadáver por quem te apaixonas.

Disse-lhe:

-Queres falar de amor?

-«Quero.»

Fizemos amor no Jardim do Príncipe Real.

Sou um necrófilo.




Resposta a ONE e a CADÁVER RESSUSCITADO


Do nada…


do desconhecido…de umas palavras trocadas com terceiros… encontraste em mim o verdadeiro sentido para a tua vida, inútil, acomodada e amorfa… encontraste em mim, a tua luz das manhãs cinzentas e frias, e repletas de solidão…

Sim eu, a “parola” lembras te? , a julgadora cruel impiedosa, maquiavélica, ambiciosa a esquemática, sim EU, aquela que adora clichés e futilidades que nem do teu auto pseudo intelecto pensaste jamais existir …

Sim sou a que não tem a delicadeza exigida para pegar num copo, nem o conhecimento dos vinhos mais vulgares… a carente a coitadinha…


Passei a fazer parte do teu mundo frio e solitário… devias de agradecer filósofo, maníaco, depressivo...

Descreves-me, uma desconhecida, a quem não conheces os gostos, as sensibilidades, a matéria… a quem nunca viste nem imaginaste a figura, nem ouviste o som da voz… atreves te a escrever sobre mim, baseado em pressupostos alheios, conversas de cama, de engate, de amigalhaços?! Descrições apinhadas de pré-noções burlescas, conceitos picarescos, estereótipos de mulheres fúteis que levas para a cama…

Não sou mais uma personagem do teu livrinho de historias…com quem brincas maliciosamente e ao sabor da tua maldita inspiração… A vida não é feita de preto e branco (mais um clichézinho), onde as pessoas são catalogadas, rotuladas, e colocadas em pequenos lotes...

Tens razão há verdadeiramente um grande contraste entre nós, um buraco, um fosso intransponível… és amorfo… cruel… insensível… um verdadeiro cadáver em decomposição… e escondes tudo isso através das lindas palavras que escreves… para impressionar quem as lê… e no entrando falta-te a vivência, o sofrimento, a verdadeira sensibilidade, o aperceber que as pessoas são únicas, elementos soltos, livres, perdidos até se encontrarem… e não sou só eu…
Volta aos teus manuais… enfia novamente a cabeça nos textos de Froid e dos teus Mestres, porque mais uma vez enganaste-te, ainda não chegaste lá… ou então desiste e dedica-te a Maxmen ou à Playboy talvez tenhas mais futuro…
Por fim…
É lamentável que tenhas utilizado “ONE”, deturpaste completamente o sentido… talvez se deva à tua falta de jeito ou mau inglês... ainda não atingiste o significado de tais palavras…

Palavras ocas e banais é o que utilizas para me descrever… não percebo esse teu interesse pelo fútil, medíocre e mais banal das mulheres…

Susana


Dona Susana Pascoal, A Cavaleira da triste figura

«Não sou mais uma personagem do teu livrinho de histórias...com quem brincas maliciosamente e ao sabor da tua maldita inspiração...»

Did I ask too much
More than a lot
You gave me nothing
Now its all I got

Olá, amor.
Não estava à espera de uma «resposta» tua, mas de certa forma o conteúdo da tua não me surpreendeu.
Surpreendeu-me o tempo que uma mulher com «M» grande demora a responder, tempo que parece ter sido passado de volta de dicionários e romances de cordel, regado com leite morno, bolachinhas e chinelas de peluche no aconchego do teu sofá de marca.
Tudo para dar uma réplica de acordo com a tua inflacionada auto imagem.
Tudo para não fazer mais que enumerar uns lugares comuns, e para te enganares redondamente. Procuras surpreender-me de uma forma, e surpreendes-me de outra.

Mas algo me fascina em Susana. Acredito que ela acredita no que diz. Susana és uma pessoa convicta, por mais parola que possa ser a convicção, entregas-te a ela, isso aliado ao facto de me pareceres tão evidente, torna-te a meus olhos um ser adorável. Adorável, simplesmente adorável.
Até nos erros e palermices que dizes, és adorável. Cito novamente e desde já, aquele em que estás mais redondamente enganada:

«Não sou mais uma personagem do teu livrinho de histórias...com quem brincas maliciosamente e ao sabor da tua maldita inspiração...»

Como te enganas.
A partir de agora, ainda mais, és a minha personagem central, não apenas deste blog criado para esse efeito, e para as declarações de amor que te faço, mas de toda a minha «maldita inspiração», no que toca à vida de uma convencional mulher com «M» grande pertencente à classe média burguesa.
Hã, que achas?! Melhor que levar-te a jantar, não?!

Em certa medida és burra não por esforço mas por talento.
Eu explico. Lês bem as palavras, mas não compreendes frases.
Como se completa um curso superior sem se saber ler ou interpretar pequenos textos, é que eu não percebo. É provável, que numa das residências da UNL onde residiste na tua formação, tenhas dedicado o teu estudo a estratégia de sedução barata e manha aplicada, e tenhas descurado outros aspectos da formação.

Fofinha, pareces estar tão habituada a canções de engate fatelas, que quando levas com algo de diferente, ou não reconheces ou não sabes como classificar.

Desde o início, tenho escrito uma espécie de carta de amor. Mas não reconhecerias uma mesmo que levasses com ela na cara, a não ser que principiasse com «Esta é uma carta de amor, (...)», de forma análoga a que provavelmente só reconhecesses uma história ou uma ficção, quando começa por «Era uma vez...»
Mas isto sou só eu a supor.

Como disse, OU és burra, OU não sabes português, OU não te dás ao trabalho de sequer ler as minhas longas missivas, mais do que uma vez. Apesar de estar mais inclinado para a última hipótese, não me importo mesmo nada.
Porque pareces estar a lidar mal com o facto de que finalmente, talvez, porventura o feitiço virou-se contra o feiticeiro...estás numa «relação» em que não és a actriz principal, e onde fiz contigo o que costumas ser tu a fazer aos outros, a saber, dei-te um bocadinho de conversa para sacar algo que me interessa, para depois deitar fora. Só que em vez de sacar uma voltinha no teu corpo ou tu no meu, saquei elementos de ti, que me permitem estar contigo quando eu quiser e a despeito da tua vontade. Menti-te, pois manipulei-te, e estabeleci um interesse só meu, mas isso entendes bastante bem, tu que só concebes relações de índole mercantilista.

E não venhas com conversas que saquei generalidades ou ficções acerca de ti. Saquei o que de mais genérico tu tens, que é seres absolutamente convencional, boa pessoa, não duvido, mas interessante naquilo que és, e não no que pensas de ti ou queres mostrar aos outros que és. Se não entendes isto, nunca vais entender porque te dei atenção.
Mas também, sinceramente, me borrifo para se entendes ou não. Chocolate não é para brutas.

Como me dou ao trabalho de ler duas vezes o que quer que seja que as pessoas me escrevem, e como não preciso de bolachinhas e leite morno para espevitar os neurónios, e ainda porque preciso de ti como de pão para a boca, para me aqueceres e dar esperança nas minhas frias manhãs, respondo-te prontamente, mais por boa educação, que por tesão de que me leias ou fiques a pensar que ando atrás da tua atenção.

Respondo em duas partes. Respondo a par e passo ao que disseste anteriormente, às coisas divertidas que disseste, não para retorquir à enxovalhice, mas para tentar mostrar-te que não tens coerência nem lógica nem semântica no discurso. Não te pedi para responder, mas já que o fizeste, por uma questão de brio para contigo própria, responde coerentemente e com o mínimo de rigor, e deixa o paradigma lacónico para as tuas incursões predatórias de sedução, que para mim não terão efeito, pelo simples facto de que não ficarei a pensar no que queres dizer quando dizes algo seguido por três pontos...
Ok, amor?
A outra parte é mais literária, também tem uma mensagem para ti (mensagem em forma metafórica escondida como a felicidade sob o teu desejo), mas feita a pensar em mim e para mim, mas também não estou à espera que leias, quanto mais que entendas.

I - A triste figura da cavaleira

Cavalgas uma auto imagem de ti muito interessante.
Nota que digo cavalgas, porque a tua auto imagem não és tu. E é fácil de ver, porque facilmente te contradizes, seja porque não tens rigor lógico ou frásico, ou porque o que dizes é só para tentar picar ou ofender. Vamos às contradições primeiro.
Por exemplo, em relação às minhas palavras, elas são para ti num momento «lindas palavras» e noutro «palavras ocas e banais».
A questão que se coloca é se a contradição é intencional, o que mostra que me queres passar a mensagem de que te sentes atraída por mim, ou não é contradição, e para ti de facto o lindo é oco e banal, ou noutra variação, o oco e banal são lindos...
Em última instância, se eu te tivesse chamado a mais fútil e medíocre, e banal das mulheres, teria aqui a justificação pelas tuas próprias palavras.

Apontas o teu dedo indicador, que gosto que coloques na minha boca quando fazemos amor, e que sofregamente sorvo ao ritmo dos teus murmúrios. Apontas o dedo para me censurar de arrogância e de pretensão por julgar conhecer-te e traçar-te o perfil.
Por várias vezes, nas poucas frases que elaboras, mostras afirmações intensamente arrogantes e pretensiosas. Cito:

1) «Encontraste em mim o verdadeiro sentido para a tua vida»;
2) «Nem do teu auto pseudo intelecto pensaste jamais existir» ao referires-te à tua pessoa, mas ainda vais ter de me explicar o que é um auto pseudo intelecto...é um intelecto fingindo ser intelecto em forma de carro?
3) «Estereótipos de mulheres fúteis que levas para a cama»...bem, regozijo-me com a tua preocupação com a minha vida sexual, se bem que não aprecio a ponta de ciúme que aqui demonstras, mas se fútil é sinónimo de oco ou banal, então afirmas que levo mulheres lindas para a cama. O que coloca um dilema.
Tu és excepcional. Pareces-me oca e fútil, mas não és linda. Devo eu levar-te para a cama? Elucida-me, que fiquei confuso. Até porque nenhuma mulher que levei para a cama era fútil, não sei por isso lidar contigo fofinha, tens de me orientar. (por acaso já facturei uma fútil, mas foi há muito tempo...);
4) Meu doce, terno amor, Susana Pascoal, dizes :« A vida não é feita de preto e branco (...) onde as pessoas são catalogadas, rotuladas (...)»
No entanto não hesitas em rotular-me de «maníaco», «depressivo», «malicioso»,
«amorfo», «cruel», «insensível», «cadáver em decomposição»...só mimos.


Tudo porque te escrevo cartas de amor que não entendes. Tudo porque não me deixo apreender como tu te deixas, como um cliché. Tudo o que sai daquilo a que estás habituada, já te faz confusão, é desconfortante, não é?...


Entre tantas coisas, és boçal, mas acho-te fofinha.
Por exemplo tens veia poética.
Note-se bem quando descreves a minha vida antes de Susana (A.S.) e depois de Susana (D.S.), manhãs cinzentas e frias? Só porque são passadas sem ti. Frias não muito, porque sou peludo e não passo muito frio.
Cinzentas porque no Inverno há pouco Sol, mas sem ti, são piores.

Mas achei bonito o que disseste embora não tenha sido tua intenção dizer algo de bonito para mim.


II - A cavaleira da triste figura

Inclinado na tua pedra tumular disse-te que te amava, tanto quanto quando ainda viva eras.
Passo os dias e as noites aqui de volta de ti, e de memórias, e ainda dizes que nem imaginei a tua figura?
Sim, eras parola, julgadora, cruel, impiedosa, maquiavélica, ambiciosa, esquemática, inveteradamente manhosa, caso clínico, destroço emocional, adoradora de clichés e futilidades, mas o que é o amor se não supera isso?
És carente, és uma coitadinha. Quando se esqueceram de ti, ainda estou aqui ao teu lado não é?
A enumeração das palavras «insultuosas» que exageradas por ti que eu supostamente de ti diria (uffa, fizeste um loop), é uma manha para me engatares, mas eu havia-te dito que não me queria envolver contigo, porque não gostava de morenas, e não gostava da tua cara. Tinha-te dito, que simpatizava contigo, mas só para amiga,amiga de verdade porque eu não te queria mal, nem tu a mim.
Mas apareceste-me um dia à chuva, depois do treino, e eu reconheci-te, e querias discutir comigo, mas não conseguiste.
Ficaste à chuva.
Caracterizas o meu mundo sem ti, como cinzento e frio...Mas achavas-te assim tão colorida e quente?
Chamas-me nomes, só porque sentes falta da minha boca?
Acalma-te, próxima 6ª, vou eu ter a tua casa de novo e de novo nos beijaremos.
Não tenhas medo, até lá sonha.
Devia de agradecer? Porquê Susana? E não deverias tu agradecer também?
Mais do que eu, porque eu dou-te mais importância a ti, do que tu a mim, portanto contento-me com o nada que me dás.
Que tens tu para conhecer? És o conjunto de lugares comuns transmitidos venereamente pela tua cultura. Gostas do que os outros gostam, julgas pelo que os outros julgam, sentes como os outros sentem.
Dizem-me que tens voz de mel, mas de que me serve a tua voz, senão é para me dizer que me ama e só me insulta, e vocifera lugares comuns?
Tu é que és agressiva, e grosseira.
Atrevo-me a escrever sobre ti?...Atrevo-me?
Eu escrevo sobre o que quiser, sobre quem eu quiser.
E nunca tiveste tanta importância para ninguém como tens para mim, como personagem literária.
É o que tens de mais interessante. És mais interessante como personagem expressa em palavras, construída por mim a partir de ti, personagem que de ti não se afasta a não ser para te superar, és a sombra daquilo que eu penso de ti, achas isso um canto de amor, ou não?
Esta frase vai dar aí umas 2 ou 3 semanas de ruminação do Tico e do Teco, portanto manda-me votos de boas festas quando a perceberes.
És tão colorida e quente no real, que eu prefiro-te fria e cinzenta numa efabulação minha no virtual.
Que conversas terias comigo na cama? Aquelas que dás por ti a repetir nas mesmas ocasiões? Ou o teu coração tem a elasticidade suficiente para sentir mais que a repetição do mesmo?!
No mesmo parágrafo falas duas vezes em cama. O que me queres dizer? Não sejas tímida. Freud explica. «Froid» não conheço. Era irmão gémeo do outro, criado em França? É que «froid» é «frio» em françês, o que até não deixa de ser um lapso de língua irónico, pois o que és tu senão uma raínha de gelo, frígida, orgasticamente impotente...especialmente agora que estás morta e enterrada?!
Conceitos picarescos? O que é isso?Tem a ver com picaretas?
És uma menina.
Pensas por certo que a vida te tratou muito mal, e que só tu tens a experiência da dor.
És a raínha de gelo, mas o teu reino é apenas o teu próprio umbigo. Amor...
Como dizes...as pessoas são únicas, elementos soltos, livres, perdidos até se encontrarem, e é ou deve ser por isso que és uma nómada de abraços de braço em braço, de peito em peito, sugando amor e atenção, e com nenhum ficando a que chames teu...como se cada um desses peitos não tivesse um coração a bater lá dentro.
Incongruente, cara Susana.

Pretenciosa e arrogante, «ainda não chegaste lá», como se tu soubesses o que é ou onde é o lá, e como se eu lá quisesse chegar...
Maxmen e Playboy, são as revistas dos homens que frequentas e estás habituada, passam pelos olhos daqueles a que gabas os olhos nos perfis do hi5. Eu prefiro a Newlook, tem as mulheres mais bonitas e sem maquilhagem...e não trata a mulher como estás habituada a ser tratada, como um depósito de esperma, que pertence a uma gama, cujos modelos se orientam segundo o status quo do consumidor.

Ainda bem que usei «One».
É que também é a minha música preferida desde há muito tempo.
E tu és tão parola, que pensas que uma obra de arte só tem um sentido, que é aquele que lhe dás. És ainda mais parola por acreditar na tua parolice.
Uma obra é tão mais rica quantas mais interpretações originar. Mas sugas tudo aquilo de que gostas, e és arrogante ao ponto de desprezar a interpretação alheia, convicta do tal castelo de areia construído no teu umbigo.
Tu não gostas da música, gostas do que pensas dela, e pensas que o que pensas é mais profundo e pleno de significado que aquilo que os outros pensam e sentem acerca da mesma música. Tal como o teu sofrimento é mais profundo que o dos outros.
Não sei se chore a tua morte, se dê graças por não teres de viver mais contigo.
Se algum dia me quiseres elucidar acerca do real sentido daquela música, tomaremos chá e me contarás. Me trarás a luz.
Luz que não tens no teu caixão. Fica morta. Eu fico com o que penso de ti cá em cima, é bem mais interessante. Não te mexas no caixão, deixa-te estar até a escuridão chegar.
Abraço-me à tua laje e juro que te amo, cai uma lágrima que desce a terra de encontro à tua boca. Eu matei-te, lembra-te disso.
Amei-te, usei-te, matei-te.
Repousa em paz.
JCNF





"A volta da mulher morena"


"Meus amigos, meus irmãos, cegai os olhos da mulher morena
Que os olhos da mulher morena estão me envolvendo
E estão me despertando de noite.
Meus amigos, meus irmãos, cortai os lábios da mulher morena
Eles são maduros e húmidos e inquietos
E sabem tirar a volúpia de todos os frios.
Meus amigos, meus irmãos, e vós que amais a poesia da minha alma
Cortai os peitos da mulher morena
Que os peitos da mulher morena sufocam o meu sono
E trazem cores tristes para os meus olhos.
Jovem camponesa que me namoras quando eu passo nas tardes
Trazem-me para o contacto casto de tuas vestes
Salva-me dos braços da mulher morena
Eles são lassos, ficam estendidos imóveis ao longo de mim
São como raízes recendendo resina fresca
São como dois silêncios que me paralisam.
Aventureira do Rio da Vida, compra o meu corpo da mulher morena
Livra-me do seu ventre como a campina matinal
Livra-me do seu dorso como a água escorrendo fria.
Branca avozinha dos caminhos, reza para ir embora a mulher morena
Reza para murcharem as pernas da mulher morena
Reza para a velhice roer dentro da mulher morena
Que a mulher morena está encurvando os meus ombros
E está trazendo tosse má para o meu peito.
Meus amigos, meus irmãos, e vós todos que guardais ainda meus últimos cantos
Dai morte cruel à mulher morena! "

Vinicius de Moraes
A negação…

… é a primeira atitude de um assassino, após cometer um crime hediondo…

Sim, um assassino… cruel e impiedoso, que percorre passo a passo, o trajecto da mulher de Vinicius, por um caminho descendente e incerto, a passos ruidosos, pesados e inseguros…

Tencionas engana-la, iludi-la, cega-la, para no fim ceifar-lhe a vida… e dizes que é por amor... O
que não farás por amor? Vejo-te capaz de tudo… de chorar, de sofrer, de gemer de dor, e pior, de
exterminar a tua própria identidade por um sentimento fortuito de admiração… uma ilusão.

Se te amo? Que não é o amor, tal como a morte, senão um conjunto de expectativas vazias, sem fundamento e com um fim inevitável!?

Romeu, és um sonhador… como disse anteriormente, uma personagem caricata que alem de orgasmos psicológicos me faz rir. É por isso que sou a “rainha do gelo”, um coração de pedra, uma estátua, uma estalactite? Por não acreditar no amor?! Ou por não ceder ao leu galanteio, às tuas insinuações, ao teu convite para um chá?!

Não, não sou convencida, maníaca, autoritária, parasita, frígida… por mais que imagines, conjectures, analises e psicanálises nunca hás-de conseguir obter uma réplica aproximada da verdadeira SUSANA.

Concebeste sim a tua Susana, a tua marioneta preferida, a tua bonequinha imperfeita, tirada de uma qualquer capa de revista, descontrolada, feita em plástico revestida a gelo, frívola… e dizes que procuras a essência… talvez um perfume, um odor, tal como Grenouille.

Mas ao contrário de uma vítima qualquer, não necessito de recorrer a ajuda de terceiros para me proteger, recuso-me a ser colocada numa redoma de cristal… enfrento-te, persigo-te, assusto-te…ao ponto de me queres provar muito mais e por fim desejares a minha morte…

Mas no fundo… bem lá no fundo… estás ciente que nunca me alcançarás.

Susana


Tragédia para Ti




With that skill that was hers alone
She drove her clutches into me
I was dumbfounded
She was hungry
She required me entirely

All that's left is here to remain
It's a dull and cruel pain
That passes the ages unaltered
Her stamp is in my heart
I still feel disemboweled
I clearly retain
A blank
The void
The sore in my soul
The mark in my heart
Her acid reign
Hot sun, global fun
Needed action, start to run

And that voice that was hers alone
Still resounds in me
She left me dislocated
Disavowed
And twitching
Her rhythm is in my heart
She inspired in me
An acute sense of treachery

Front 242


Como gosto de Vinicius. Subiste no meu apreço.
Estou a escrever isto, a atrasar-me para outra coisa, mas com um sorriso de orelha a orelha. Porque vejo, que te agarras a mim, com a mesma força com que te agarras ao copo.
É lisonja, senhores, é lisonja, porque não me enganei acerca de ti, e porque te agarras a mim. Porquê? Por causa daquilo que julgas interpretar por detrás de palavras, ou porque ainda há uma réstia de tragédia antiga nos calabouços do teu coração, que diz que o amor existe!?...enquanto que nos corredores assépticos da tua mente corre a palavra de que viveste enganada até certa idade acerca de algo que não existe, e que gostavas tanto de acreditar.

Amorzinho, é impressão minha, ou vieste ter comigo, ao terreno da literatura?
Refreia-te, eu avisei-te para não correres atrás, podes cair e sair magoada.
Enfrentas-me? Persegues-me? Assustas-me? Ainda bem que mo disseste, é que ainda não tinha reparado.
Se me amas? Eu não te perguntei isso nem quero saber.
Convencida? Que tens tu que te convença?
Que galanteio? Que insinuações? Que convite para chá?
Fofinha, vi um convite para o filme «O Perfume», algures nas tuas linhas ? , ou vais responder que é só ficção?
Amor, tens de aprender a distinguir ficção de realidade. Olha que a tragédia que está agrilhoada nas húmidas caves desse teu coração destroçado, está a pregar-te partidas.

Tu és um pretexto para um texto, nada mais. Nada mais quero de ti.
Nada mais preciso de ti. Nada mais me interessa em ti.
Não te quero provar nada, a não ser o sabor da tua boca para saber a que sabe o beijo de uma defunta cujo coração já só bomba sangue, a temperaturas negativas.

Já estás bem morta. Já to disse, e sabes disso.
O teu crime...és vítima e assassina, ao mesmo tempo, teu peito continua a aquecer-se com a miragem de um amor prenhe de felicidade futura, assassino do desassossego que te mora no íntimo desde sempre, mas a tua cabeçinha morena continua a dizer que o amor é uma cicuta, arsénico por nós elaborado e ingerido.
Queres argumentar? Eu defendo prós e contras. Mas quem quer ser coerente?

Nunca irei obter uma réplica aproximada da verdadeira...
« A negação…

… é a primeira atitude de um assassino, após cometer um crime hediondo…» - lembras-te?

Nunca te alcançarei...Talvez não, talvez já tenha chegado ao âmago, mas também quem quer pernoitar na terra queimada de ninguém que são as planícies do teu coração?

Que falta de originalidade Susana Pascoal. Não consegues melhor? Mimares-me com mimos meus, mima-me com mimos teus.
Eu não tirei a Susana de qualquer revista. Tirei das letras que comigo troca, tirei das fotos que tenho tuas, tirei do tempo que passei a olhar para elas, a imaginar-te, a interpretar os contornos do teu rosto, as expressões do teu rosto, das tuas mãos, a linguagem do teu corpo, e alguns enigmas do teu sorriso, tal como se fosses uma pintura, kitsch, mas ainda assim arte.

Esforça-te, dá-me algo teu, não me dês literatura alheia, se não consegues cala-te e beija-me.

Anjos coléricos

As asas de Avalon
Ardem e batem
Nas profundezas dos mares de Orc.

Tau Ceti olha as estrelas
Bate o fogo-fátuo no charco
A cólera nos olhos
No sangue de quem ama
O colibri suga o tutano
A paz é um engano,
A guerra é a chama,
Os anjos banqueteiam-se
Com as almas virtuosas
Que carregam as asas
Que ardem na noite
Daquilo que não és.

JCNF


Estou a subir muito e depressa na tua consideração. Não é esse o meu objectivo, nem sei porque estou aqui a responder-te mais uma vez…

Como por magia sei do que gostas, possivelmente conheço-te, melhor do que aquilo que pensas que me dás a conhecer.

E não sou arrogante.

Não estou carbonizada, ressequida como pensas entender. Sou uma flor, estou viva. Sou uma alma quente, intensa, apaixonada, sonhadora, ilimitada… não me tentes reduzir a tua mesquinhez.

Não te convidei a entrar em parte alguma, tiveste uma ligeira participação na minha peça de teatro, na minha vida. E entraste sem permissão, determinado a encontrar um poço finito de futilidade. A tua busca por mais uma mulher burra e vulgar como tantas que tu e os teus amigos conhecem. Essa demanda cessa aqui, encontraste o que querias? Provaste o que pretendias?

Não quero saber o que pensas de mim, porque não me conheces e mesmo conhecendo-me não me ficarias a conhecer, entendes?

Fazes-me rir quando dizes que me amas, amas uma morta? Mas que sabes tu sobre o AMOR…


«Era uma vez...»

Filosofo…

Não procuro surpreender…
Não procuro convencer um homem que desistiu de viver há muito…
Não tenho que te provar o que quer que seja muito menos minhas potencialidades ou carência delas…
Respondo-te por prazer… porque gosto dos orgasmos psicológicos que me proporcionas… e anseio o estimulo e o conhecimento de toda a fonte, viva ou morta…
tal como dizes sorvo o que de melhor têm os outros, os mancebos, os amigos, os amantes…

Vejo-te agora, ansioso, se não fumas róis as unhas, fraca figura deambulando pela vida, não a caminho de um bar, mas a caminho de uma pagina da net… completamente anarca e alheio a tudo e todos… inspirado no seu EU, no seu ego… e menosprezando o talento ou falta deste nos outros…

Não quero ser a tua personagem principal, nem servir de inspiração para uma tão fraca que inventaste ao sabor do teu bafo …
Deixa-me ser burra, fútil, parola.. não são esses os mais felizes?!

Que sabes tu a meu respeito, senão aquilo que te transmito…mas enquanto pressupores tanto mostras os teus receios mais profundos e lentamente a capa cai…
Desvendas o teu mistério, e tornas te num feiticeiro… que me transporta lentamente para o abismo, que me dá vida, conquista com sedução e que me mata no fim… morri para ti?

Ao contrário de mentiroso e manipulador, acho-te um brincalhão, uma alma perdida, e dependente do que chamas “relação”? Não és muito diferente dos outros… nem de mim…

A tua saga não tem excitus. Continua a analisar cada pedaço de texto, como se do meu corpo, ou de um chocolate se tratasse, dando-te prazer a cada lambidela.

Susana

Olha que não, olha que não, olha que não…


Socióloga...
Amor...
Olha que não.

Se mandas palpites para o ar, invertendo a nossa posição como quando se faz amor em jeito de luta por fome do outro, fazes o que censuras de fazer, e revelas estar interessada na minha pessoa o suficiente para pensar nela.

Fofinha, não precisas de justificar para mim, ou para outros olhos que imagines, porque me escreves. Ninguém te pediu. Não é necessário, a não ser que seja para ti...porque se torna óbvio que estás atraída por mim. Estás curiosa. Por um tipo da net, opaco, que te envia contos de amor, e contas de carinho. Por um relativo incógnito que já mostrou que não se revela. Que nega o excitus do encontro inevitável.
Não confundas com tornar difícil o inevitável para lhe dar o valor, como estás habituada...o mancebo difícil se faz para te dar a ilusão de luta, para assim que o comes, arrotares de despeito, ressentida pela facilidade. Eis o reino do vazio.
Portanto, a tua saga também não tem concretização possível, resta-te descobrir para quando o exitus adivinhado.
Se a tua curiosidade inicial acerca da novidade, não se dissipar, e com ela a graça que achas a ler e a responder, condenados estaremos a remoermo-nos um ao outro, a ruminar do que não nos conhecemos, em vez de nos comermos.
Como ao chocolate...

Mas, como disse, não precisas de justificar, eu não o faço.
Respondes-me por prazer, , porque gostas dos orgasmos psicológicos que eu te proporciono...estou habituado fofinha, mas estás em divída comigo...é que eu coitado, ainda não tive nenhum à tua conta...

Eu presto atenção, ao que dizes e ao que digo. Eu não disse que sorvias...eu disse que sugavas. Sugar, de parasita, não o melhor que os outros te dão, mas o tudo que te podem dar...sugas tudo o que não tens para dar, e olha que não ouvi isto de nenhuma conversa de engate ou cama.

Mas...
Que leio eu?!
Não posso...não aguento...
Susana, tu imaginas como eu sou? E escreves isso ainda por cima...
Tarefa hercúlea para uma rainha de gelo, que trata a frigidez na 1ª pessoa.
Mas...
A minha figura por ti imaginada, reconheço-a de artigos de primeira capa da «Cosmopolitan» ou de uma qualquer edição especial da «Maria»... Destroçado, como reconhecer, devia ser o nome do artigo.
Imaginas-me como me gostavas de saber...porque te dou atenção? Porque não estás habituada? Porque identificas abordagens desinteressadas como engates de algum desgraçado desesperado?
Não é só o que dizes, mas como dizes, que te revela, mais se calhar que o que desejavas.


Não me vejas no fundo de uma depressão, que não me encontras lá, a não ser que essa depressão seja o vale formado pelos teu lábios a montante, ou pelas tuas pernas a jusante, e mesmo assim vais conseguir olhar nos meus olhos que te devolvem o olhar em forma de carícia, aí sim, sorvendo a tua língua, ou o orvalho do teu abandono.
«(...)deambulando pela vida, não a caminho de um bar, mas de uma página da net(...)»
Olha que não, olha que não, olha que não...
Caramba.
Ou os bares são a mais completa expressão de uma vida plena para ti, o que não me admirava nada, ou, doce Susana, achas que ando aí a emborrachar-me para aguentar a minha vida...se fosse a tua ausência ainda o podia fazer, mas a minha vida, dá-me alegrias, como esta de te falar, e em ti pensar.
Falar contigo, dar atenção, é por ti, desta forma identificado como desgraçado.
Amas-te? Muito? Como?
Olha que não, olha que não, olha que não...

Não fumo, nem estou a roer as unhas.
Também não acho que tenha fraca figura, muito menos quando deambulo pela vida.
Olha que não, olha que não, olha que não...

Não queres ser a minha personagem principal...
Nem servir de inspiração para uma tão fraca, inventada ao sabor do meu bafo...
Como vais evitar isso?
Custa-te aceitar, que não tens nenhum controlo nesta «relação» (as aspas são tuas).
O que é que isso depende da tua vontade?
É indiferente que desapareças, que não respondas, que chames a polícia, ou que peças aos teus amigos e amigas para virem-me tentar desmoralizar, aqui onde me lês.
Eu continuarei. A não ser que morra de cirrose, de acordo com a vida em que me imaginas.
Ainda não reparaste que não és caso achado nem perdido aqui?
E não penses que ando à volta de uma ficção, já te expliquei, que é sobre a tua essência que escrevo aqui.
Olha que não, olha que não, olha que não...

Os ignorantes é que são mais felizes, e não as parolas, as burras e as fúteis. Não confundas porque não é a mesma coisa.

«Que sabes tu a meu respeito, senão aquilo que te transmito…mas enquanto pressupores tanto mostras os teus receios mais profundos e lentamente a capa cai…»

Transmites-te a ti mesma no que escreves.
Doar atenção, revela os meus receios mais profundos? Quais? Espera, deixa-me pensar pela cabeça da tua personagem imaginada de mim...hmmm já sei, tenho medo de te encarar na realidade, tenho medo das mulheres em geral, ou tenho medo de me aproximar de uma, amargo que estou com a vida...inseguro, frágil, decrépito...acertei?!

«Desvendas o teu mistério, e tornas te num feiticeiro… que me transporta lentamente para o abismo, que me dá vida, conquista com sedução e que me mata no fim… morri para ti?»
Yap.
Não notaste ainda?
«Ao contrário de mentiroso e manipulador, acho-te um brincalhão, uma alma perdida, e dependente do que chamas “relação”? Não és muito diferente dos outros… nem de mim…»
Olha que sou, olha que sou, olha que sou...

« A tua saga não tem excitus. Continua a analisar cada pedaço de texto, como se do meu corpo, ou de um chocolate se tratasse, dando-te prazer a cada lambidela…»
Se cada texto que eu analisasse fosse chocolate, quando me fosse deitar, caia para os dois lados da cama.
Chocolate. Acertaste. Gosto muito.
Como a um corpo, eu não lambo o chocolate. Mordo-o, mastigo-o, saboreio lentamente com a língua, como-o.
Lamber, lambo gelados, ou gelo. O teu coração, sabe a morango? Ou a outro gelado? Ou só a gelo, que nem espaço ou alegria tem para ter nem que seja um aroma, um sabor?
A que sabes tu, Susana?
Gostas de serenata que te faço, Julieta?
Dás-me corda para me enforcar...
Continuas, morta, continuo, contigo.
Beijo grande, amor.

JCNF




Tempo (tic)



A ampulheta, a ampulheta, a areia que escorre entre os dedos ao som de uma corneta
Corneta anunciante do fim, que se afasta do nascimento à velocidade de um alucinante cometa.
Escrevinhas, como na canção, os planos da tua vida em sonhos balbuciados na areia.
Matas o tempo em pequenos suicídios alheios à sombra que congeminas na tua teia.
Quando no tempo pensas é porque já passou demasiado e os teus planos falharam,
Saíram ao lado, ou tornaram-se no que não estavas à espera, até os fracassos fracassaram
E corres, corres corres à volta do teu antiquado crescente umbigo, viver é um treino para a morte
O tempo não pára e a ele que julgavas matar vê impávido a tua lenta agonia abandonado à tua sorte.

Nascer, morrer, não causam estranheza, cada um por si só, mas aquilo que se faz no meio
É a almofada do angustiante desespero, tens o teu tempo aqui, aproveita-o e o que fazes com ele?
Passam os anos, passam as passagens de ano, tudo passa e o rio o mesmo já não é
E urge dar à tua vida um sentido, que na adolescência é cósmico, pujante sem freio
e vai amainando amainando como folha condenada ao Outono, sentes o tempo passar na pele
Acabamos por ceder, ceder ceder e já só queremos sopas e descanso e uma história que mantenha de pé
a necessidade de dar finalidade à vida, não já uma epopeia, mas um conto menor, corremos atrás dele
Mas é só à volta de um tiro de pistola que não ouvimos partir e acabará por detonar no coração.
JCNF
Tempo (tac)
Não são os sonhos que perdem pujança, como o sangue pueril que se esbate nas paredes das veias com o passar do tempo.
A entrega, a nossa entrega a eles é que não pode deixar de esmorecer, seja pela força da desilusão seja pela brutalidade da descrença.
Sabemos que o outrora apetecido agitar das águas só trará a suspensão do lodo, e mais vale um lago tépido e visível a curta distância, que um remoinho de incertezas. É cada vez mais a segurança, a protecção contra surpresas, que se instala e aninha. O cálculo ganha terreno, antes um parvo (a) que nos carregue, que um esperto (a) que nos derrube.
Já não acreditamos...tão só...
Porque achais que é aos jovens que recorrem as agências de marketing e similares, procurando qualidades como dinamismo, espírito de grupo, entrega?! Pois eles ainda não amargaram e ainda acreditam...

Já não acreditamos. Desdenhamos. A sombra do passado menoriza qualquer tentativa do presente.
Não pode deixar de nos perseguir a ruína de amores passados, e a omnipresente suspeita de que se as do passado ruíram, tudo depois deles (ou da nossa crença neles) pode também ruir.
Não são capas ou falsa moeda. É só a capacidade de entrega, ou não, de um coração.

Aos 30, 40, 50...não se vive o que se vive, como se vive, aos 18. Porque aos 18, ainda muitas janelas no futuro se encontram abertas.
O futuro não é ainda um horizonte que enegrece sob o pêndulo da urgência.
Aos 18, o céu apresenta-se risonho, promissor e esperançoso.
Aos 30 morde-nos os calcanhares.
Aos 50 aponta-nos a sala onde devemos fazer contas.
Assim também o nosso ressentimento não é para o que insuflámos. Mas para a nossa própria gula, a nossa própria credulidade.
Envelhecer é o contentamento com o lugar comum que outrora não considerávamos, de nós, digno.
A explosão do balão, é não conseguirmos aguentar as altas expectativas que criámos de nós, dos outros, do Amor...

O fim é inevitável mas não é o que está fora que o dita. Somos nós que mudamos.
As horas os minutos são já só as testemunhas da angústia de os saber um passo mais próximo do fim, da impotência de já haver passado o tempo próprio...e o que restará de nós?
A inevitável solidão se não levar para a morte a eterna companheira que é a memória da tua cara.
é que não pode deixar de esmorecer, seja pela força da desilusão seja pela brutalidade da descrença.
Sabemos que o outrora apetecido agitar das águas só trará a suspensão do lodo, e mais vale um lago tépido e visível a curta distância, que um remoinho de incertezas. É cada vez mais a segurança, a protecção contra surpresas, que se instala e aninha. O cálculo ganha terreno, antes um parvo (a) que nos carregue, que um esperto (a) que nos derrube.
Já não acreditamos...tão só...
Porque achais que é aos jovens que recorrem as agências de marketing e similares, procurando qualidades como dinamismo, espírito de grupo, entrega?! Pois eles ainda não amargaram e ainda acreditam...

Já não acreditamos. Desdenhamos. A sombra do passado menoriza qualquer tentativa do presente.
Não pode deixar de nos perseguir a ruína de amores passados, e a omnipresente suspeita de que se as do passado ruíram, tudo depois deles (ou da nossa crença neles) pode também ruir.
Não são capas ou falsa moeda. É só a capacidade de entrega, ou não, de um coração.

Aos 30, 40, 50...não se vive o que se vive, como se vive, aos 18. Porque aos 18, ainda muitas janelas no futuro se encontram abertas.
O futuro não é ainda um horizonte que enegrece sob o pêndulo da urgência.
Aos 18, o céu apresenta-se risonho, promissor e esperançoso.
Aos 30 morde-nos os calcanhares.
Aos 50 aponta-nos a sala onde devemos fazer contas.
Assim também o nosso ressentimento não é para o que insuflámos. Mas para a nossa própria gula, a nossa própria credulidade.
Envelhecer é o contentamento com o lugar comum que outrora não considerávamos, de nós, digno.
A explosão do balão, é não conseguirmos aguentar as altas expectativas que criámos de nós, dos outros, do Amor...

O fim é inevitável mas não é o que está fora que o dita. Somos nós que mudamos.
As horas os minutos são já só as testemunhas da angústia de os saber um passo mais próximo do fim, da impotência de já haver passado o tempo próprio...e o que restará de nós?
A inevitável solidão se não levar para a morte a eterna companheira que é a memória da tua cara.

JCNF











Anatomia do Corno





O corno é marreco.
O corno é curvo.
O que verga o corno?
O medo?
O baixo amor de si mesmo?
O amor em lume brando de outrem?
A ingenuidade?
O poder de negação?
A sua própria Natureza?
Um amor ao cálculo?
O amor pelo absoluto com forças relativas?

É perito na ontologia da queda e da perda.

O corno assume dois tons.
O corno absoluto ou metafísico, e o corno circunstancial ou físico.
Há um terceiro tipo, mas não quero que o caro leitor (a) se sinta ofendido.
Genericamente, o corno está disposto a abdicar de si, dos seus propósitos, em nome de um grande propósito. A ofensa passa para segundo plano em face do que as últimas consequências podem trazer para o quadro mais geral, que é o que ele espera da vida.

As últimas consequências são o fundamentalismo sobre a ofensa. Este fundamentalismo causa normalmente para o corno não corno, uma ruptura na relação, ruptura que o abana por completo nos fundamentos da existência.

É esse terramoto que aflige o corno comum.
Só o verdadeiro corno infeliz, o metafísico, faz por sobreviver além da catástrofe, porque ama o espinho que o atormenta.

Para o corno infeliz, o ente amado é fonte de sofrimento porque não se consegue livrar da dôr que a traição provoca. Não se consegue libertar porque o cuspo do outro é, contra sua vontade, o mel da sua existência.
Este corno é um corno solitário. Ama o outro como a uma droga. Só é corno quem se enquadra numa relação.

Porque é que no amor, o encornado é culpado da sua culpa, enquanto o enganado pela mentira assume o papel de vítima? vítima da perfídia alheia...

Para o corno comum, é a sua personalidade que é rejeitada, pois a seus olhos não é suficiente deslumbrante para cativar...e aí assume os primeiros acordes metafísicos, a saber, quando a traição passa a fazer parte de uma maldição cósmica à sua pessoa.
Mas ainda não chega. Detesta essa condição do fundo da sua bílis.
O corno metafísico puro, ama e odeia o que vai dar ao mesmo, a sua condição, que o diferencia do comum. E é aqui que se começa a transformar em corno comum.
É esta a dialéctica da encornação.

O corno comum agarra-se a uma ilusão, à convenção.
O verdadeiro corno infeliz agarra-se à própria existência que o oprime.
Agarra-se à âncora que o leva ao fundo.
O corno comum espera que a âncora o mantenha à tona, próximo e em uníssono com todos os outros.
Ambos têm em comum a traição.
Só é corno quem sabe e prefere manter-se como tal, diz a tradição.
O corno comum é o acomodado.
O corno infeliz é o corno profundo, alienado na sua condição inconsolável.

Um é vítima da sua vontade e ilusão, outro de um pathos terrível.
Ambos mergulham no lago do absurdo.
Um é verdadeiro amante de si próprio e do seu sonho.
Outro é o verdadeiro corno porque é a natureza ou a entidade de alhures que lhe prometem felicidade a sorver em pequenas gotas de arsénico.
Um é enganado pelas quimeras do seu cérebro, os desejos da sua carne, pelas imposições dos seus semelhantes. É o corno físico.
O outro é atraiçoado pela própria existência em que brotou.
É trazido à luz para ser cilindrado pela luz a que é trazido.
É o corno metafísico.
O verdadeiro corno não trata ninguém por corno. Só ele sabe o peso que lhe atarraca as costas.

Os cornos metafísicos reconhecem o peso da existência nas costas dos seus semelhantes.
Os cornos físicos gozam uns com os outros através das estradas da inaptidão e do desempenho.

O corno metafísico enrola-se sobre si mesmo como um feto a horas de nascer, enrola-se sobre a sua dor, sonhando que ela desapareça, cônscio apenas do seu sofrimento.
Espera que a dor intensa passe e não se propague a ninguém.

O outro corno, o comum, acha que a dor é parte da vida, e não a parte mais importante. Escarna dos outros iguais a ele, por só ele conhecer o vazio desse gozo.

Um vinga-se da existência que o faz sofrer, outro celebra-a.
Um subsiste e segue em frente, o outro só pode continuar a entoar os belos cânticos forçados pela dor a sair de sua boca exigidos por nós, filhos da dor que o arde.

JCNF











Capítulo I – parte I



Viúva profissional

Apunhalando a pastilha elástica com os dentes, respirava a largos sopros pelas narinas.
A moça que me saciou durante toda a noite jazia inerte numa ponta distante da cama.
Longe do abraço de amor ou carinho que não lhe consegui dar.
Encharcada em suor, que arrefece rápido à noite, e a faz procurar com a mão aberta e os olhos fechados o edredão, o lençol cheio de sangue como prova que eu fiz questão de mostrar de que por estar quase no fim do período, não era impedimento para a voracidade do meu apetite.
Olho-a e o seu escasso talento na cama, os seus pés feios e frios, a sua cara feia ou não bonita para mim. E penso que é uma condição de merda ser homem.
O orgasmo foi o metrónomo da noite.
A caminho de casa fingi uns gestos de carinho.
O efeito que as gónadas provocam no cerebrelo já havia passado, vazias que estavam com solidariedade com o meu coração.
Porque é tão importante falar de cama?
Porque nem toda a gente tem jeito, fisionomia, imaginação, à vontade para isso.
Já não basta ser-se feio, que se se revelar um espantalho na cama, o feio ou a feia, e até o bonito e a bonita em menor grau, terão dado um certo passo mais para a solidão.
Despede-se de mim num assomo de paixão momentânea, pensando que o amor finalmente a encontrou. Só penso em dizer-lhe para ter calma, que foi só mais uma noite de corpo, mas não acho o momento apropriado para lho dizer.
Conduzo para casa, como se tivesse passado mais um capítulo da minha vida.
Sinto-me do lado dos «fortes», é ela que está em suspenso por mim, e o mesquinho em nós não pode deixar de se manifestar.
Mais uma para o currículo, diz aquele diabinho que representa parte da nossa consciência nos livros do Tio Patinhas.
Coitada, mais uma que se apaixonou, não tens vergonha? Diz o anjinho...
E a rememoração de que foi por não querer iludir ninguém que larguei as anteriores.
Os meus colhões são mais fortes que eu. 150 gramas de chouriço como se costuma dizer, ganham a 85 kilogramas de porco. Esbofeteei o anjo, porque não pode falar mal de mim.
O mundo não tem nada a ver com a nossa ideia de justiça.
E não sei se iria suficientemente longe no buraco do coelho, ao dizer que o mundo se ri da nossa ideia de justiça.
Cada mulher tem sido a preparação da seguinte. A mim, a paixão dura-me meia dúzia de meses. No longo prazo. A curto, é o tempo de recuperar de um orgasmo.
Após um ano e tal, bem intenso, voltei a escrever.
Por acaso e por capricho conheci alguém de Mafra.
Quem já não acredita em corações, começa a dissecar almas.
Eu, como outros, sou um deserto. Um cemitério. De raparigas. Uma ex-namorada uma vez disse-me isto com cara de horror.
Na altura tomei o teatro como expressão de falsa moral burguesa.
Agora percebo que a minha soberba é ter comido, ou ter sido comido por tanta gaja...e não passa de pueril contentamento.
Ela casou. E eu tenho sempre uma mesquinha suspeita de que todos os casamentos acabam mais cedo ou mais tarde. Não se sujeitou em ser a sua lista de amores e desamores.
Eu, se me ligar, é para não desligar. É o que todos dizem às amantes.
Mato-as e a mim , no processo.

Tivemos de tudo...paixonites infantis que nos faziam viver a 1000 por cento, como contam as canções do Carlos Paião. Frescas e leves, intensas, como o frio do orvalho de Verão, ou como o cheiro do feno após chover.
Paixões adolescentes que nos agarram pelos artelhos e centrifugam até não haver mais pinga de sangue, ou de sanidade.
A emoção é um livre carrossel.
Na idade adulta temos um amor, com tons de absoluto. Vestimos a pele da eternidade.
Dilui-se.
Corrói. Decai. Acaba. É o nosso mundo que mergulha com ele.
E a nossa crença.
O último degrau?
Este em que agora estou. Cheio de manha, cheiro a manha estratégia de engate a léguas.
As manhas, as fitas, são claras.
O jogo perdeu o interesse.
Eu tudo domino.

Algumas pessoas com experiência na vida, sustentam que é razoável partir de um princípio básico. Concordando como princípio que sustenta um princípio básico, eu sustento que todas as pessoas são todas aborrecidas. E que a maior parte das vezes faço figura de parvo a encontrar conversa da treta para manter a conversa com quem acho mortalmente entediante, mas como não quero mostrar isso para não magoar, torno-me a mim um chato.

Existirá por aí alguma chata ou chato, que me consiga contradizer?
Este princípio quase básico, tem no mais elevado grau de pureza, a força negativa capaz de ser a mais potente força motriz em forma de repulsa. O aborrecimento repulsa.
O aborrecimento é a bota que oprime o traseiro, empurrando-nos continuamente para forçadas novas descobertas.
O tédio, que por si tem uma natureza calma e sedativa, é a força com potência para meter toda a gente em movimento.
E se dissermos que o tédio é a razão de todo o mal, não andaremos longe da verdade.

O lado oposto da atracção é o tédio. O tédio é absolutamente mágico, no seu efeito mobilizador através da repulsa.
A corrupção do tédio derrama-se claramente, no comportamento das pessoas. Especialmente no trato com as outras pessoas. Nada é mais entediante para uma pessoa que outra pessoa. Uma pessoa entediante é mais entediante que um livro entediante.
Veja-se o santo mais badalado da Cristandade, no mais paciente estala o verniz após aplicação de puro bom e velho tédio. Veja-se o nascimento das birras das crianças, só germinando quando a brincadeira já não diverte.
O entretenimento é a esta luz, não a razão de se estar vivo, mas a fuga do efeito corrosivo do tédio. O tédio é a mais próxima sensação da morte mais próxima.
Não a morte física, mas a real, aquela que é a negação da vida.
O nó de Susana começa aqui.
É uma fugitiva, como nós.
Ela caiu na fuga.
O aborrecido é aquele que visceralmente sente repulsa pelo estado que pára o tempo alongando-o como se fosse uma paragem da e na vida. Perda de valioso...tempo.
Tempo e tédio, eis o eterno.
(continua)

Viúva profissional - parte II





Quando penso em ti com mais força, sei que é porque estás a pensar em mim.
Em relação a ti, tudo o que seja menos que tudo é nada.
O teu cheiro, o teu sabor, a tua língua, os teus braços.

Lembro-me desses nossos momentos fugazes como lágrimas na chuva.
Tenho post its espalhados pela casa e no pára-brisas do carro, lembretes para não me esquecer de respirar.

Copo atrás de copo, bebo este malte tão velho quanto o meu amor, na esperança que após o engolir o sabor da tua boca já não esteja na minha...debalde...como fantasma residente que se recusa a aceitar que morreu.

Escrevo-te e para ti escrevo. Escrevo-te pelas barras de uma rima.
A tua língua...
A tua língua é o mais fascinante isco no mar, irresistível, para peixes incautos como, eu que ao verem tal isco ao sabor das correntes que não são vistas, vai sôfrego tentar beber a doce saliva que ontem provei, só para ser surpreendido por um peixe enorme e carnívoro, oculto sobre o fundo arenoso, com o artefacto enganador ondulante, ironicamente alguns milímetros acima da doce boca.

Escrever é um minete. Eu gosto de fazer, tu gostas de receber.
No entanto estamos os dois à sombra, no Sol do anonimato.

Nós, na tua cama, mascamos folhas de louro, fazemos duas coroas com o que sobra, coroamo-nos como rei e rainha de uma timocracia de paixão.

Na praia perto de tua casa apeteceu-me mergulhar na água. Tirei as minhas roupas, e contei-te que os antigos gregos faziam a lavoura desnudos copulavam com a terra em charquinhos de pequeno esperma, e com as mulheres sobre a terra aberta ainda quente, em orgias de mosto e fertilidade.

Desejei erguer um templo assim, mas somente me deixaste projectar a sombra de uma forca.
O ocaso levou-te para longe de mim, e a sombra do infinito veio fazer-me frio de novo.



Tempo e tédio, eis o eterno.
O movimento amoroso nas nossas vidas é uma cópula.
Uma cópula é um movimento mecânico de contraste entre dois órgãos de dois corpos diferentes. Um reclama em gritos de uníssono o outro. Pede-lhe a falta para voltar a gritar pelo outro desesperadamente.
Assim com as paixões, que madrastas são ondas hertzianas tudo absolutizando à sua passagem.
Precisamos da falta do nosso amor para o desejar ainda com mais força e lágrimas nos olhos de o termos repelido, só porque o quisemos sentir longe para o sentir ainda mais perto.



Nenhum juiz daria a justificação de um divórcio com base no tédio que a mulher causa no marido.
O Sol deita-se em tons de mel.
A força motriz não é a criação, a criação é a resposta à força motriz que é o aborrecimento.
É como o fluxo e refluxo das marés, inolvidável, rítmico, quase eterno.
O pêndulo das nossas vidas é lembrado na hora da nossa morte, apenas porque os ponteiros são os nossos braços de infante querendo colo, e as horas, os nossos amores.

O homem não é um animal social, a não ser que seja um animal de caça, necrófago e canibal. Todos os humanos são aborrecidos, aborrecem-se a eles e aos outros.

Os que a si próprios se aborrecem, divertem os outros.
Entreter o outro é a mais aguda forma de me aborrecer a mim, onde só posso acabar por morrer, passivamente, por fastio ou dar um tiro nos cornos só por curiosidade.

Só, na minha secretária, é fácil com o teu silêncio pedir letras. Mas elas saem-me da carne, e se eram tónico antes do toque da tua carne, agora são cílios que laceram a minha, com a lâmina da distância.

Apostola do entusiasmo vazio navega pela vida com uma interjeição nos lábios, faz de missão ser entusiástica e alegre onde quer que esteja especialmente para que os outros vejam, está presente em todo o lado e disso faz questão. O aborrecimento sustém-se do nada que liga a existência e as vidas. O sentimento de tontura é o mesmo que quando olhamos da borda de uma varanda muito alta, e o abismo parece chamar-nos para si.
Cansamo-nos de viver em chão argiloso e mudamo-nos para chão arenoso. Cansamo-nos do campo, vamos para a cidade. Cansamo-nos da Pátria vamos para o estrangeiro.

Fartamo-nos de uma mulher, dedicamos doravante amor a todas, sozinhos no nosso peito. Magoamo-nos com um homem, queimamos o chão tenro e pulsante de irrigar sangue, para que mais nenhum lá subsista.


Passei o dia a tentar vir à superfície. Mergulhei tão fundo na toca do coelho que agora para saber onde é o cima ou o baixo, tenho de chorar para ver para onde corre a lágrima.
Lágrima de alegria porque já morei na tua boca.
Se nada faz sentido, é porque ainda ando a tentar apanhar o equilíbrio e a perceber o porquê do fascínio.
Como o sabor acre de uma garrafa de velho líquido de malte.

Viúva profissional - parte III





Em papel espalhei letras em orgias
Encostadas, juntas, separadas por vírgulas, traços
Travessões

Transe de quem mal dorme
Por escrever sempre o mesmo
Um caminho para o teu nome

Agora por folhas de papel ancião
Continua a tinta a jorrar
Porque não é por se ter cantado a canção
Que uma música se deixa de assobiar.

O teu corpo é outro papel onde escrevo as cartas de amor para ti.



Viúva profissional - parte IV




Pêndulo.
É verdade, de verdade às vezes apetece-me chorar.
Dir-se-à «Que frescura...», pois que a vida é assim e um homem não chora.
O problema é quando começamos a ser tão rebeldes, que a própria variação permitida como aceitável para o que a vida poderia ser deixa de ser suficiente, um pouco como dois amantes que já nem sabem o que descobrir um do outro.
A ideia de que as coisas poderiam ser bastante diferentes, arde nos toros de que isso resolveria os sofrimentos que passámos nesta vida...será isso uma espécie de renúncia?
Claro. Só o rebelde renuncia.

E no fim, e no fim de contas, é só em solitude que nos encontramos.
Beijando o nosso reflexo no espelho que ninguém encontramos que nos ature e adore a não ser por não ter mais nada por que viver.

E tudos os sonhinhos, ilusõesinhas, os pormenores acabam por ser espinhos pequenos e pedras em sapatos, que nos lembram o quão balançados estivemos para qualquer lado.
Com essa entrega sentimo-nos ludibriados.
É isso que no fim levamos daqui, um sentimento de termos sido enganados só porque gostávamos que as coisas tivessem sido diferentes. Dói, mas é a parte que não renuncia à felicidade, ainda que amargue.
A torre mais alta dela, que não permite dar o coração ao seu mancebo adiado, é aquela em que já tem a desconfiança entranhada. Sem esperança deambula na expectativa, mas nunca no sonho, de encontrar um homem a quem amar, mas no entanto acreditando no amor.

Só a falta de força justifica o cálculo.



JCNF