20080812

Amor E terno





I


Sopra-me o vento na cara, e sinto nas narinas o aroma salgado da massa de água informe que se me apresenta.Estou na praia como se estivesse só.
Olho o horizonte e tento não me sentir única por causa daquilo que passei ou sofri.
Chamo-me jovem mulher, tenho uma vida inteira pela frente, e uma outra vida inteira sobre a qual não deixo de ruminar para trás .
Sento-me na areia e faço-a escorrer pelos dedos como ampulheta desejando que o tempo não passasse tão depressa. E que tivesse membranas interdigitais na minha mão. Já que passa, que passe um tempo feliz.
Mas não sou pessoa de pensar o que se faz om o tempo que jaz entre o nascimento e a morte. Olho para o meu redor e vejo o que felicita a maioria, concordo e acolho para mim no segredo como aspiração envolvente e destino do porvir.

II

Sinto o tempo a passar, acho que o relógio é a mais patética e fantástica invenção do Homem, que tem a pretensão de andar com o tempo no pulso.
O homem que quero na minha vida pode ser caracterizado pelo relógio que usa no pulso.
Não quero relógios de borracha e plástico.Os homens que os usam são imaturos e instáveis e pé descalços. Não quero homens com relógios que tenham braceletes de pele a não ser que seja de crocodilo, e seja um grande e rectangular relógio de marca acompanhado com roupa a rigor.
Quero os homens com os grandes brilhantes e poderosos cronógrafos feitos em titânio e aço, caros sumptuosos e ostensivos, orgulhosos. Um desses homens sólidos como os balcões de mármore dos bancos, vaidoso de si, faz um figurão na rua comigo na ponta de seu braço.
Estes homens andam de Audi, alargam sem engordar demasiadamente, a estrutura óssea, quando chegam aos quarenta anos. Absortos em criar e defender a família, deixam o idealismo de juventude que se submeteu à defesa do lar. Sou a raínha do Castelo onde ele sempre ganha mais que eu. Esta gama de homens tem no máximo duas ou três amantes ao longo da vida que eu nunca descobrirei, é dos meus filhos que me interesso.
Os planos são feitos em conjunto e à noite quando chega e estaciona a stationwagon na garagem da vivenda, entra em casa e de vez em quando abraço-me a ele porque no meio de tantos homens é a ele que chamo meu.

III

Olho para a sua mão que engrossou desde a nossa festa de casamento, onde ele levou terno e estava tão elegante, demasiado elegante. Juntámos as duas famílias, e realizei a minha fantasia de miúda, olhando de frente para a aliança que lhe estrangulei no dedo, e agora é abafada pela carne gorda dos dedos que incharam;olhando para trás para a pré-corte, corte e namoro, primeiros dois anos de sexo selvagem, e os anos seguintes de planeamento ponderado de vida responsável em conjunto, zangas e reencontros (que bom é fazer as pazes) e não chegámos a passar pela crise dos quatro anos que costuma ser o verdadeiro crivo para todos os casais.
Casaremos antes de quatro anos de namoro não teremos problemas porque não falta o dinheiro em casa e não vivemos do crédito, é uma vida boa, melhor que a dos outros casais que ou são rivais ou amigos. Fazemos tudo para não perder o que se construiu.
Ele não é mulherengo e eu não olho para outros.
Escolhi-o porque é sólido tal como o relógio os sapatos e a massa óssea, de jovem em fim de vida.Escolheu-me porque sou uma boa mulher para andar na ponta do braço dele, apresentar à família e aos amigos, sou atinadinha da cabeça apesar de não ser virgem.
O meu pai adora-o e ele cativa quem quer. Joga à bola ao fim de semana com os meus irmãos, e depois no fim do jogo discutem negócios carros e as outras coisas que os homens falam para se sentirem mais próximos uns dos outros.
Nunca vi ninguém arrumar tão bem as compras na bagageira do carro, nem ser tão terno sem lhe ver ponta de aflição nos olhos quando me afaga.

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