20090217

Coração de Vidro



Esperei que a luz decadente me tocasse.
O Sol há muito que se havia desinteressado desta realidade aqui tão perto de nós.
É preciso o lombo de um animal de carga para olhar para a incontornável solidão. Amar é dar-me ao outro fugindo do infinito até ao infinito da solidão.
Viro a cara como malandra insegura quando me misturo aqui no corredor agora acessível, em frente a Anglísticos roubo fotões de luz ao chão à parede aos cacifos, às cadeiras. É parida uma sombra filha do meu assalto.
Disseste que ias para obras. Ias reconstruir tudo. Não sou tua dona.
Vim para aqui para estudar e tenho de andar a apanhar memória flácidas estéreis e secas pelo chão.
A ubiquidade toma um nome como se também ela tivesse direito à reencarnação.
O nome é ‘TU’.
As primeiras palavras judicativas que cuspiste da tua boca para a minha foram ‘És insaciável!’, fiquei tão magoada, porque não existe saciedade para quem ama.
E quando bamboleavas o corpo para o teu amigo, o porteiro do 7Mares…tu ali toda enrolada com ele e nós sabíamos que só dançavas para mim.
O cheiro forte a old spice fazia-me espirrar, prefiro o teu aroma a frutos silvestres, e o teu hálito a esferográfica molin.
Quantas vezes nos deitámos juntas e quando acordava tinhas sumido…
Quantas vezes meus amigos fingiam não te ver quando ias de braço dado comigo, mesmo até me deixaram de falar…
Nunca pagavas bilhete de autocarro e o revisor fazia uma cara estranha quando eu pedia e pagava dois bilhetes.
Linda barriga é a tua, ia até ao Inferno por ela.
Vi logo que gostavas do jogo.
As duas na cama, não consegui deixar de sorver nos teus seios.
O abraço que te dava, sentia-lo como meu à volta da minha própria pele.
Sempre foste a parte mais emotiva de mim, aquela que sonha quando ao cair da tarde o Sol faz festinhas no rosto e as cigarras se calam com a brisa fresca.
Sempre fui…
Com o cabo da escova partiu o espelho em que nos víamos, caí em pedaços estilhaçados com força pelo soalho.
Espalhada como memórias flácidas estéreis e secas elo chão, como as que tenho dela, eu sei, eu é que sou real.